AJ sempre se sentiu como uma coadjuvante na própria vida, ou quem sabe apenas uma telespectadora que vê todas as cenas passando em câmera lenta, sem poder alterar o script. No seu último ano do ensino médio - iniciado com o pé esquerdo após uma grip...
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NUMA cidade pequena como Cassiopeia, qualquer novidade vira fofoca em questão de minutos e claro que a informação nunca é passada corretamente.
Então, se alguém vê um casal num banco de praça trocar um selinho, é bem possível que ao final do dia a informação chegue aos ouvidos da família mais ou menos como "Fulana e Cicrano estavam se devorando no parquinho da esquina, pra todo mundo ver".
Parece exagero, coisa de novela, mas juro que não é. Às vezes as mentiras são tão críveis que acabam virando notícia no telejornal local.
E o pior é que qualquer pessoa pode virar alvo de um telefone sem fio de uma hora pra outra. Basta irritar a senhorinha errada ou sei lá, conversar alto demais no corredor de uma mercearia ou pegar um Uber na frente de um bar depois das oito da noite.
Tem casos até em que a vítima nem faz nada, mas alguém mal intencionado inventa algo sobre ela e até que a verdade seja tirada a limpo... Já era, ficou com má fama pro resto da vida — porque assim como elefantes, os moradores de Cassiopeia nunca esquecem.
Eu nunca fui alvo de fofocas, mas a minha irmã sim.
Lembro até como se fosse hoje; eu e ela de boa na sala, uma vendo desenhos na televisão e a outra mexendo no celular. Tudo na maior paz, até que mamãe passa pela porta da frente igual um furacão, joga sua bolsa em cima do balcão da cozinha com certa brutalidade e já chega com cinto na mão gritando com minha irmã se ela perdeu mesmo a virgindade com o filho de uma lojista da qual nunca nem ouvi falar.
E se nem a incrível, perfeita e inteligentíssima Alice ganhou o benefício da dúvida, que esperança resta para mim, uma mera mortal cheia de defeitos?
Por isso, ser vista perto do casarão mal assombrado é um perigo. Então, antes mesmo de entrar na rua, me escondo atrás de um muro, na sombra de uma árvore e espio pra saber se a barra está limpa.
Avisto Ellie na calçada da casa com estética velha e com dois andares. Ela estacionou sua mobilete no meio fio e anda de um lado pro outro de braços cruzados.
Não consigo ver seu rosto da distância que estou, mas imagino que ela está preocupada com a minha demora.
Marcamos de nos encontrar ali e entrar juntas.
E eu vou mesmo, só preciso criar um pouco mais de coragem e conferir uma última vez se meu disfarce está bom.
Pego o celular e clico no ícone da câmera. Encaro meu próprio rosto com relutância.
De cabelo preso escondido pelo capuz do moletom, ponho o óculos de lente escura que peguei emprestado com minha irmã e conto até três antes de sair do esconderijo e entrar na rua.
Fico de cabeça baixa, ombros encolhidos e mãos dentro dos bolsos do casaco.
É uma tarde abafada de sexta, o sol está escondido entre as nuvens que formam figuras indistintas no céu e por um milagre não tem crianças correndo ou idosos sentados do lado de fora.