Prólogo: Uma maldição disfarçada de Benção

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Ana

O vento soprava gentilmente sobre mim, era uma brisa suave de primavera. O rio estava lindo, mais do que o normal, brilhando com os raios de sol que o tocavam.

Era um dia comum, alguns pajés ajudavam os novatos a se acomodarem enquanto outros treinavam os que já estão aqui há algum tempo; eu deveria estar treinando também, mas não conseguia me concentrar por mais que tentasse, era como se o rio me chamasse, como se ele tivesse respostas sobre tudo que venho me questionando durante todos esses anos, porém, a água também parecia estar agressiva de certo modo, a correnteza estava forte e eu não me atreveria a entrar.
— Não vai se juntar aos outros, Luiza? — Uma de minhas irmãs me pergunta, seu nome era Milena, suspiro e balanço a cabeça que não, o rio se movia de um modo que parecia cantar uma música, como se uma voz falasse por ele.
— Você não consegue ouvir? É como se ela tivesse me chamando, mas eu não sei porquê, ela nunca sequer fez algum esforço para me conhecer, porque iria querer agora? — Estava indignada com tudo isso, minha mãe nunca fez qualquer esforço para se comunicar comigo, porque ela faria agora? Porque eu de todas as suas filhas?
— Acho que você está delirando irmãzinha! — Milena diz com um sorriso bobo. — Porque ela chamaria por você? Você sequer liga para ela e para o seu legado, ela provavelmente quer que você se jogue na água para apagar esse erro dela! — Milena ri.
Tento manter minha calma, não valia a pena brigar com ela, não valia o esforço. Desde quando cheguei aqui sempre fui mal vista por minhas irmãs e por outros campistas, fui encontrada perto da beirada do rio ainda bebê, a água parecia ter vida própria e afastava qualquer ameaça que chegava perto, logo, assumiram que eu era filha da Deusa Iara, a Deusa das Águas. O que aconteceu comigo foi inédito para o acampamento, nunca um semideus chegou aqui ainda criança, nunca um semideus se parecia tanto com seu pai ou mãe divinos e isso trazia inveja aos demais.
"Você é um presente, Luiza!" Era o que os pajés sempre me diziam, eu era a escolhida de Iara, eu era especial e várias outras bobagens; por um tempo, eu acreditei nelas, achava que o meu nascimento diferenciado significava algo, que eu era importante! No entanto, após anos e anos se passarem e tendo nunca ouvido a voz de minha mãe eu acabei perdendo as esperanças nessas palavras doces; como eu poderia ser tão especial se parecia que Iara nem sabia da minha existência? Se eu era sua preferida, sua escolhida, porque ela nunca tentou falar comigo?
Suspiro mais uma vez ao continuar escutando a mesma melodia vindo do rio, era linda e sedutora. Parte de mim deseja ir ao encontro de tal beldade, mas outra parte dizia que eu me afogaria se entrasse na água, o que eu deveria fazer? Se eu sou filha da Deusa das Águas, as águas iriam me obedecer se eu mandasse? A correnteza cessaria se eu ordenasse? Estava tão focada em meus pensamentos que nem percebi que Milena ainda estava ao meu lado, porém, sua atenção estava focada em outro alguém, alguém novo.
Pelo rio chegando em um barco estava um garoto com cabelos negros e olhos azuis que pareciam brilhar, usava uma regata, um short e um par de chinelos e apesar de suas roupas estarem sujas e amassadas, era lindo e minha irmã parecia ter notado isso também pois estava tentando jogar seu charme pra cima dele, como ela sempre fazia com qualquer campista que ela achasse atraente, para quem se acha linda, ter que usar seus poderes para conseguir alguém era meio patético. O barco finalmente para e os pajés vão de encontro com o garoto, ficando estupefatos quando o olham de perto, sua energia espiritual era incrível, mais forte do que a de qualquer outro semideus no acampamento, será que depois de milhares de anos, seria ele um filho de Tupã? E o que isso significava?
— Ele pode se vestir como um mendigo, mas é um gato! — Milena diz enquanto encara o garoto como se fosse um pedaço de carne, por ela, provavelmente era apenas o que ele era mesmo. — Eu provavelmente deveria me apresentar! — Ela ajeita seu cabelo ao falar isso, reviro meus olhos para sua futilidade.
— Eu gostaria de saber como a gente têm a mesma mãe! — Resmungo.
! Eu gostaria de saber, você pode até se parecer com ela em aparência, mas não é nada como ela! — Apesar de não ser nem um pouco parecida com nossa mãe, tendo cabelos ruivos e olhos verdes, Milena se orgulhava por ser uma mulher sedutora que conseguia fazer os homens fazerem o que quiser por ela, assim como minha mãe.
— Acredite, sou muito grata por não ser assim! — Me levanto e decido andar um pouco para limpar a cabeça, ficar perto de minha irmã era... cansativo para não usar palavras mais drásticas; acabo prestando atenção novamente no rio e em sua canção, quanto mais escutava, mais uma voz feminina parecia cantar uma música, porém não havia uma letra, apenas um canto lindo e suave que fazia eu me aproximar cada vez mais do rio até que sem perceber eu estava no mesmo e nesse momento pude sentir uma energia passado pelo meu corpo, a canção começou a ficar mais alta e a água começou a ficar em volta do meu corpo, todos os campistas pararam para me ver.

— Não! NÃO! — Milena grita ao perceber o que podia estar acontecendo, seus olhos se enchendo d'água, ela sentia raiva e tristeza ao mesmo tempo.
E então pude ouvir uma voz me falando:
— Eu sempre estive com você e sempre estarei!
A água abaixou e abriu um caminho para que eu pudesse voltar para a terra firme, ainda estava meio confusa com o que acabará de acontecer, nenhuma de suas irmãs fora reivindicada antes.
— Uau! Isso foi incrível! O que acabou de acontecer? — Aquele garoto de antes veio correndo ao meu encontro, me ajudando a caminhar que ainda estava meio tonta.
— Acho que minha mãe acabou de me reconhecer como sua filha! — Eu rio um pouco, todos os olhares estavam em nós dois. — Eu sou Ana, e você?
— Meu nome é Luíz, prazer em te conhecer, Ana! Fico feliz que você achou essa "bênção" algo bom, no meu caso, foi o pior dia da minha vida! — Ele dá um sorriso forçado, o que ele queria dizer?

Continua...

Espero que tenham gostado!

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