Um Acontecimento Tardio

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Estava irritada demais para raciocinar, meus olhos ardiam em fúria.

-Eu tô cansada Maciel! Cansada de esperar!

Gritava solitária em uma sala ampla e aconchegante, mas que não me permitia sentir conforto algum. Em uma bela de uma incoerência meu interno e meu externo se desalinhavam. Meu externo se acomodava em uma poltrona confortável enquanto meu interno era domado por uma intensa agonia e frustração, e se tornava submisso ao caos. Em um movimento involuntário começo a chorar de tal forma ao ponto de encharcar a gola de meu vestido escarlate, como uma cachoeira caindo em torrentes de angústia. Aconteceu que eu havia novamente sido enganada pela vida. Minha taróloga havia dito que em 3 semanas Maciel se declararia para mim e me tomaria sua amada. A semana chegou, e a ausência de Maciel e de sua atitude em relação à mim se repetiam pela sétima vez. Sempre visitava às escondidas Dani Taróloga quando precisava de apoio emocional e de um direcionamento à respeito de minha vida amorosa, como faziam as camponesas medievais em tempos de aflição, buscavam as bruxas para receberem amparo espiritual. Minha família era conservadora e jamais sonhara que eu estaria me refugiando na cartomancia. Sempre que visitava a moça bonita de jóias vistosas e roupas extravagantes recebia promessas das quais nunca pude contemplar a materialização. "Em sete dias..." "Em doze luas..." "Em três noites..." e nunca acontecia de fato aquilo que esperava, me deixando vazia e com o sentimento de que havia sido feita de trouxa mais uma vez. Mas apesar de me decepcionar em cada uma das sete vezes onde Dani prometeu algo que não aconteceu, continuava a sair às escondidas para alimentar minha paixão pelo rapaz, tendo fé "Dessa vez vai acontecer! Eu acredito que agora enfim, Maciel virá!". As lâminas numeradas por naipes chamativos eram minhas confidentes, mas também o motivo de minha frustração. Entre as promessas das cartas transbordava o amor que sentia e a espera que tinha pela atitude de Maciel. Talvez ele nunca se declararia para mim, mas eu tinha esperança de viver este amor e acabei caindo novamente no falatório de Dani Taróloga e suas cartas de Marselha. Senti-me usada.

-Pare de chororô menina! O culto já começou!

Disse minha mãe com voz insensível, sem se importar com a dor que me tirava a paz e necrosava meu coração. Saí de casa apressada seguindo a advertência de minha mãe. Ainda com o rosto encharcado de lágrimas tomei meu assento em um canto discreto na igrejinha. Senti-me paralisada pela angústia, um sentimento de estar anestesiada. Apenas queria contemplar a imagem de Maciel vindo à mim com juras de amor, mas as únicas juras que recebia eram as de meras cartas coloridas.

-O amor chegará quando você menos esperar, quando decidires deixar de lado esta ansiedade que te toma por conta da demora, e deixar a vida lhe levar de forma suave e fluída, aí sim, o amor se manifestará.

As palavras de Dani Taróloga ecoavam em minha mente e me faziam desacredita-las, havia perdido a minha fé, e aceitei, Maciel nunca tomará um passo em minha direção. No culto, ouvia as palavras de uma senhora que falava sobre um testemunho, estava enferma à 2 anos e aguardava ansiosamente sua cura, cura essa que só veio quando ela decidiu se desprender de sua espera e entregar de forma tranquila e despreocupada sua causa nas mãos de Deus, para que como um bom pastor, cuidasse de suas dores e fosse à recompensar por sua paciente espera. Balela! Minha causa está perdida! disse à mim mesma. Algo que até agora não me deu um sinal se quer, nenhuma gota de acontecimentos que pudessem nutrir minha esperança. Tranquilizei-me.

-Oh Deus eu desisto. Talvez não seja para mim aquilo que anseio. Seguirei meus caminhos e lutarei contra o meu desejo amoroso de ter Maciel ao meu lado.

Disse triste, aguardando as últimas palavras do culto para que pudesse sair. Sentindo-me derrotada pela vida, porém leve pois agora não preciso mais aguardar por Maciel, ele não virá mesmo, e está tudo bem. Seguirei minha jornada como uma ave solitária em meio a imensidão dos altos céus. Sou moça inteligente e esperta, tenho bom futuro em minha área financeira, devo esquecer Maciel e os sentimentos que seus braços fortes e sorriso encantador me causam. Saio em direção ao portão da pequena igrejinha. Fico paralisada ao chegar à rua, meus olhos estão arregalados e meu corpo não pode se mover, minha respiração trava e como a mão pesada de um pai, sinto a vida deferir um tapa em meu rosto, um tapa que jamais esperei receber do universo, logo em um momento de aceitação como este. Maciel estava em frente à igreja segurando um lindo buquê de jasmins, com olhinhos apaixonados e sorriso nervoso aguardando a minha saída da igrejinha. Um acontecimento tardio, porém, real.

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