07 | estou viva, não vivendo.

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Gatilhos.

Eu deveria estar feliz por ter chegado em casa, mas tudo o que fiz quando pisei os pés na porta foi correr para meu quarto e evitar qualquer comentário dos meus pais

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Eu deveria estar feliz por ter chegado em casa, mas tudo o que fiz quando pisei os pés na porta foi correr para meu quarto e evitar qualquer comentário dos meus pais. Eu subi as escadas tão rápido que pude sentir a falta de ar ao chegar no topo. Puxo o máximo de ar que consigo e adentro a porta, me trancando lá e ficando a sós com meus ursos de pelúcia e meus posters de Harry Potter.

Eu coloco a mochila na cama e entro no banheiro do meu quarto, vendo que estava tudo no lugar que deixei. Solto um suspiro ao olhar meu reflexo no espelho, eu estava mais "cheinha" se assim poderia ser chamada e meus cabelos estavam com um frizz de outro mundo. Me assustei quando me olhei no espelho.

Eu olhei para a privada e olhei para meu reflexo novamente, vendo que minhas pernas haviam ficado mais grossas e meus braços também. Se mamãe notasse, ela me mataria, ou talvez me torturaria.

Eu olho mais uma vez para a privada e solto um suspiro segurando o choro, tranco a porta e me coloquei de joelhos em frente a privada. Eu sinto as lágrimas inundarem meus olhos, vendo que essa era a única maneira de tentar pelo menos disfarçar o peso que ganhei nos últimos dias.

Eu coloco meu dedo em minha garganta e senti tudo voltando. Eu coloquei minhas mãos em cada lado da privada, deixando tudo sair. Tento fazer o menor barulho que consigo para que meus pais não escutem.

Depois de colocar para fora tudo que consigo, eu me ergo sentindo minhas pernas fracas. Olho para o espelho, meu rosto parecia ter piorado. Eu me odiava.

Escovo meus dentes para me livrar do mal hálito e ouço uma batida na porta. Meu coração treme, eu rapidamente puxo a descarga e termino de escovar os dentes. Corro para a porta do meu quarto, destrancando ela e tendo a bela visão da minha mãe me observando com seus olhos julgadores azuis.

- venha, vamos te pesar - ela me puxa, suas mãos apertando o meu pulso indelicadamente.

Eu tropeço entre meus pés para acompanhar seus passos duros e rápidos em direção a sala onde fica alguns esquipamentos que meu pai guardava e também a balança. Eu senti minha barriga se remexendo quando fui jogada na sala.

Ouço a porta se fechando e minha mãe aparece no meu campo de visão. Olho para a mulher que deveria ser meu apoio emocional antes de ser empurrada para cima da balança por ela. Eu sinto as lágrimas caírem sem meu consentimento, tentando ao máximo não começar a soluçar em sua frente.

Eu vejo o peso, 54kg, semana passada estava com um a menos. Mamãe me olha com suas sobrancelhas erguidas, sua expressão de raiva já estava se formando em seu rosto e eu fechei meus olhos esperando para seus xingamentos.

- o quê você anda comendo? - ela me puxa pelo pulso e saí da mini sala comigo atrás dela sendo arrastada.

- não comi nada mamãe, eu juro - eu implorei com as lágrimas descendo como cascata dos meus olhos.

Ela entra no quarto dela e do meu pai e me atira no chão. Eu fico em frente ao meu pai que lia um jornal qualquer antes desse escândalo todo acontecer. Mamãe olha para mim furiosa e desvia seus olhos para papai, que larga o jornal na escrivaninha.

- ela está comendo outras coisas além do que eu mesma preparo - mamãe fala - a gente faz de tudo para você se tornar uma bailarina conhecida, para você ser tudo o que eu não era. Então você decide de uma hora para a outra nos desobedecer comendo o que não foi colocado para você.

Sinto o olhar decepcionada e com desprezo do meu pai sob meu corpo encolhido no chão. Eu estava com medo, estava com medo do que eles fariam comigo.

Quando eu decepcionei mamãe uma vez, ela me trancou no quarto pelo final de semana inteiro sem comer e ainda levei tapas do meu pai para aprender a nunca ir contra as regras deles. Eu sou uma marionete para eles, uma boneca que eles sempre vão comandar do jeito que eles quiserem.

- se levante - papai ordena, sua voz me da arrepios.

No mesmo instante me ergo, ficando de frente para ele com alguns cabelos grudados em meu rosto por conta das lágrimas. Ele levanta a sua mão e em um ato inesperado sinto uma ardência na maçã do meu rosto, viro meu corpo para o lado. Ele me deu um tapa. E novamente outro, e outro, e outro.

Eu sinto meu rosto queimar, as lágrimas escorriam automaticamente e eu não conseguia fazê-las pararem de escorrer. Eu coloquei minhas mãos na minha bochecha sentindo um choque de dor ao encostar meus dedos na região. Eu gemo de dor, sendo pegada pelos cabelos e arrastada entre o corredor. Eu me debatia, tentando me soltar do aperto de mamãe mas era impossível.

Eu fui largada no meu quarto e trancada para dentro. Eu estava sentada no chão frio, as lágrimas ainda desciam e meu rosto ainda ardia, como se alguém tivesse me dado diversos socos. Eu tentava me levantar mas não havia mais forças, estava destruída e agora minha cara também estava.

Na última vez que aconteceu, tive que usar maquiagem por uma semana inteira. Minha pele é muito sensível, cada tapa ou machucado fica marcado por alguns dias. Eu não conseguia passar por isso de novo, foi o que eu havia pensado na última vez, mas agora aconteceu de novo.

Eu pego o meu celular na mochila, graças a deus foi algo que meus pais não tiram de mim quando me trancam no quarto. Eu vi algumas mensagens de Amélia, ela me enviou várias fotos de si mesma na viagem e alguns áudios reclamando do quanto a casa dela era longe.

Eu ri com suas mensagens e as respondi, tentando soar o mais feliz possível quando na verdade sentia cada parte do meu coração se despedaçando e caindo em cada violência que tive. E foram muitas.

Eu não tive coragem de me levantar e me observar no espelho, fiquei deitada na cama no escuro, abraçada com meu urso preferido. Eu pensava em tudo o que passei e a cena de hoje mais cedo ficou passando várias vezes em minha mente.

Eu gostaria de ter tido pais diferentes, aqueles que não se importam com o meu peso, ou talvez que não coloquem pressão em mim mesma para sempre ser perfeita, sabendo que se eu não for, vou ser agredida e colocada dois dias inteiros sem comer trancada em meu quarto.

Eu vago pelas redes sociais que são a única coisa que tenho para passar meu tempo. Eu solto um suspiro vendo storys de pessoas em festas e se divertindo enquanto estou trancada em casa. Eu odiava meus pais e mais ainda minha vida. Se eu fosse uma filha rebelde e que mandasse os pais a merda, talvez eu viveria mais.

Estou viva, não vivendo.

...

Eu te amo Line, minha pitica 🤍

Blood in your eyesOnde histórias criam vida. Descubra agora