Lareira da Memória

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Charlotte


Chãos encerados, poltronas de couro e algumas de veludo carmesim, lareira ao lado de uma pequena sala silenciosa mas que gritava época vitoriana. Ando brevemente até a alta lareira e avisto relógios antigos e alguns pequenos porta-retratos, largo minhas malas de couro pela emoção e ansiedade de ver peças tão delicadas, fotos tão verdadeiras quanto uma pequena pétala de azaléia ou uma pepita, eram raras e belas, descreviam o tempo e o cenário clássico de uma vida, eram em preto e branco mas falavam tantas cores.
Sinto uma mão gélida me puxar, mas eram tantos encantos que capitaram meus olhos que agora a força era física, eu não conseguia sair deste caloroso lugar, eu não queria, eram como beijos de puro amor, eram como verdades quentes, um bom chá com leite, como o ar amanteigado e doce de uma fornada de biscoitos, eram como os romances de juras de amor pelas janelas, eram como sonhos de crianças, como doces de côco, como beijocas, como abraços, como o mais delicado cheiro de flores recém colhidas... Eu não quero deixar essa lareira de memórias, eu não posso, eu não consigo mais...

"Vamos senhorita, já chegou sua hora!" Falou o dono daquela mão de gelo, lágrimas rolaram do meu rosto e percebi que elas já não eram tão coloridas mas haviam laços que me seguravam ali.

"Eu não posso, não quero... Eu não consigo"

Não me atrevi olhar quem tentava me puxar. Nesse castelo havia rumores de fantasmas e eu simplesmente não suportava a ideia de compartilhar este lugar com seres que não possuem alma, apenas sentimentos que não realizaram com vida, eram ocos e não possuem vida nos olhos e ressentimentos no coração oco. Eu não consigo soltar o mármore daquela lareira, tenho receio que este que me puxa seja um fantasma.

"Senhorita, sua saia ela..."

Eu fico tentada a me virar, mas as belas memórias em porta-retratos me puxam para elas.

"O que teriam ela? São tecidos, rasgam e sujam! Que novidade teria nelas?"

Aquela mão aperta meu ombro e se torna quente.

"Elas pegam fogo, insisto que se afaste dessa lareira ou ela te destruirá!"

Eu me nego, não posso.

"Que este fogo me destruía mas jamais terei quaisquer ressentimentos..."

"Há vida, há novas fotos, novos ares, novos beijos e novas pessoas, quadros como estes são momentos congelados e por mais que os olhe não poderás entrar nele ou voltar a ele. Saia dai antes sejas pó!"

Com lágrimas em meus olhos me viro e ele já não estava lá, nem minhas malas, minha saia estava pela metade e com cheiro de queimado, toda vez que a olhar lembrarei dessa lareira de memórias que quase me levou, quase me matou, quase me torturou, quase me tornou pó! Se fores um fantasma eu o perdôo e começarei graças a ti, meu próprio album de memórias.

Contos para quem cresceOnde histórias criam vida. Descubra agora