CAPÍTULO 4

210 26 79
                                        


"Existem momentos em que gostaríamos muito de ajudar determinada pessoa, mas não podemos fazer nada. Ou as circunstâncias não permitem que nos aproximemos, ou a pessoa está fechada para qualquer gesto de solidariedade e apoio." - Paulo Coelho

     - Espera, Ramiro. O que você tá me dizendo?

     - Isso mesmo que você ouviu. Eu me lembrei.

     Ramiro e Petra estavam sussurrando na calçada do lado de fora do bar. O homem deu um jeito de puxar a garota até lá quando algum colega de faculdade chamou Kelvin para conversar, e ela que estava levemente alcoolizada até cinco minutos atrás, ficou sóbria em questão de segundos.

     - Se lembrou de que? De tudo? Todas as vidas que já viveu com ele? - a garota dava um grito sussurrado, completamente entusiasmada.

     - Não, isso não. - Ramiro suspirou - Mas eu me lembrei como o conheci pela primeira vez, na nossa primeira vida juntos.

     Petra deu um gritinho fino acompanhado de pequenos pulinhos, e Ramiro a segurou pelos ombros para que ela se acalmasse. Ele estava morrendo de medo de que Kelvin chegasse e ouvisse qualquer palavra daquela conversa.

     - Ok, espera. - a garota respirou fundo, tentando manter a calma - Como você sabe que a memória é da primeira vida? Não pode ser de qualquer outra encarnação?

     Ramiro deu de ombros, balançando a cabeça para os lados.

     - Eu não sei. Nunca senti nada parecido, Petra. - agora era Ramiro que tinha que se controlar para não aumentar o tom de voz, por conta da emoção que estava sentindo - Eu já cruzei com muitas pessoas com as quais vivi outras vidas, me lembrei de muita coisa, mas dessa vez... Eu tenho uma certeza muito grande de que aquele foi nosso primeiro encontro.

     Os dois ficaram se encarando em silêncio por alguns segundos, e ambos tinham os olhos brilhando. Petra estava feliz de saber que poderia, com a ajuda de Ramiro, trazer a memória de Kelvin de volta. Para ela, era quase sufocante se lembrar de tantas outras vidas que já vivera com o amigo, amá-lo há tanto tempo, e não poder ao menos contar para o garoto sobre as milhares de coisas que já viveram juntos em outros tempos.

     Já Ramiro tinha uma sensação esquisita no peito. Por mais que, por enquanto, ele só tivesse uma única memória com Kelvin, ele sentia como se conhecesse tudo sobre aquele homem. Era como se, ao olhar para seus olhos, soubesse dizer coisas das quais Kelvin nunca havia lhe contado. Ele sabia que sua cor preferida é lilás. Que Kelvin cantarola músicas em inglês quando está concentrado. Que ele gosta de comer a casquinha do pão bem torrada. Sabia também que, se passasse os dedos sobre as sobrancelhas do garoto, ele fecharia os olhos, sorrindo o sorriso mais afetuoso que sabia dar.

     Todas essas pequenas informações simplesmente surgiam aleatoriamente na cabeça de Ramiro, como se estivessem dentro dele, adormecidas há muito tempo, e ganhassem vida agora. E cada uma delas fazia o peito do homem doer.

     Como é possível sentir saudades de alguém que você acabou de conhecer?

     - Então eu acho que a teoria do Luigi estava certa. - Petra interrompe o silêncio - Quanto mais tempo você passar com Kelvin, mais vai se lembrar dele.

     - Pode ser, mas e ele? - Ramiro rebate, parecendo um pouco frustrado - Como isso vai fazer com que ele se lembre das coisas? Porque, por mais que eu tenha acabado de ter um dos momentos mais impactantes da minha vida ali dentro, para o Kelvin não significou nada.

     - Eu não acho que não significou. Eu vi como ele ficou quando vocês se tocaram.

     Ramiro suspirou, assentindo ao se lembrar da cena. Realmente, Kelvin pareceu ter sentido o exato mesmo choque que ele sentiu quando seus dedos se encostaram.

100 VIDAS COM VOCÊ - KelmiroOnde histórias criam vida. Descubra agora