- Como é que é, Ramiro? Ele te jogou no chão?
- Me jogou no chão, Kevín. Como se eu fosse uma criança. - o moreno respondeu, limpando as lágrimas que insistiam em escorrer de seus olhos, mesmo que ele se esforçasse para evitá-las.
Kelvin andava de um lado para o outro naquela estradinha de terra, completamente indignado com aquilo que estava ouvindo de Ramiro. O pai do homem era um bruta montes, um estúpido, em todos os sentidos da palavra. Só de pensar que aquele velho poderia ter relado um dedo para machucar seu Rams, Kelvin tinha vontade de bater na porta daquela fazenda ridícula e tirar satisfações com o homem.
- Eu não deixava! Ah, mas eu não deixava mesmo! - o ruivo esbravejou, dando um soco no capô da caminhonete de Ramiro - Eu quebrava a cara dele!
- Mas é que você não entende, não, Kevín. Eu não tive mãe nessa vida. Meu pai é como se fosse pai em dobro pra mim.
O cacheado chorava de soluçar, os ombros encolhidos faziam-no parecer muito mais frágil do que ele aparentava normalmente, com aquele tamanhão todo. De costas para Kelvin, ele parecia uma criança. O coração do mais novo partia em pedaços ao assistir a cena.
- Que pai é esse, Ramiro? Ein? Me responde! Que trata um homem adulto como se fosse uma criança? - ele disse indignado, aumentando o tom de voz incontrolavelmente - Que pai é esse, Ramiro?
- Você não entende. - Ramiro soluça, se virando de frente para conseguir olhar no rosto de Kelvin - Eu não posso levantar a mão pro meu pai. Se eu der um peteleco, ele desmonta.
- Óbvio. Você é forte, é óbvio que você ia derrubar ele.
Os dois ficam se encarando em silêncio por um tempo. Kelvin tinha vontade de fazer justiça por Ramiro, chutar qualquer um na rua, berrar aos quatro ventos... Vê-lo daquela forma era como esmagar seu coração.
- Eu não consigo erguer a mão contra ele, não. Não consigo. - Ramiro balançou a cabeça em negação - É meu pai.
Kelvin suspirou, erguendo a mão e encostando no rosto de Ramiro com delicadeza, como se qualquer mísero contato pudesse quebrá-lo. Seu dedo polegar acariciou devagar a bochecha do moreno, que fechou os olhos sentindo o carinho.
- Você tem um coração de ouro mesmo, né? - Kelvin sussurrou
Ramiro abriu os olhos bruscamente ao ouvir aquelas palavras. Seus olhos pareciam ainda mais cheios de água.
- Você acha mesmo? De verdade?
Kelvin fitou as pupilas escuras com todo o amor que poderia oferecer.
- Acho. Acho, Ramiro. Acho. - ele repetiu várias vezes, vendo o peito do homem em sua frente tremer com o choro - Mas você não pode deixar abusarem de você, Rams.
O mais velho deu um suspiro trêmulo, agarrando a mão de Kelvin que estava em sua bochecha e entrelaçando seus dedos.
- Kevín, você é o único amigo que eu tenho nessa vida.
Tentando esconder as lágrimas que, agora, já não eram mais de tristeza, mas sim de emoção, Ramiro se virou de costas novamente, envergonhado.
Kelvin sentiu seu coração se desmanchar. Sentia um quente tão forte no peito, como se pudesse fazer qualquer coisa por aquele homem. Seria capaz de enfrentar monstros e mundos para vê-lo sorrir.
Procurando uma maneira de fazer isso acontecer, o ruivo começou a olhar ao seu redor, pensando em alguma coisa. Como estavam no meio de uma estrada, apenas com um carro, o garoto pegou a primeira coisa que viu pela frente, na rua de terra, sem que Ramiro percebesse: uma florzinha amarela, linda, com as pétalas grandes e vivas.
Com uma certa dificuldade por conta de seu tamanho, o garoto se esticou um pouco para conseguir subir no capô da caminhonete verde. Um pouco nervoso, limpou a garganta, chamando a atenção de Ramiro, antes de dizer:
- E se eu fosse mais do que amigo?
Ramiro se virou novamente de frente para Kelvin, e seu coração poderia explodir ali mesmo, dentro de seu peito, com a cena com a qual se deparou.
Ele amava aquele pequetito com todas as células de seu corpo, e não se importava em assumir isso.
Em meio às lágrimas, não pôde conter o sorriso enorme que se fez em seu rosto.
- Eu peguei pra você aqui embaixo, ó. - Kelvin estendeu a flor em sua direção, com um sorriso de canto - Bem bonitinha pra você. - ele disse, balançando as pétalas na cara de Ramiro, tentando fazê-lo rir - Amarelinha! Você não gosta de amarelo? Olha aí!
O homem soltou uma risada genuína, relaxando completamente e se esquecendo do motivo que o fazia chorar minutos atrás. Agora, as lágrimas acumuladas em seus olhos eram por outro motivo...
- Só você mesmo pra me fazer rir... - Ramiro disse, agarrando a flor e cheirando suas pétalas com delicadeza.
Kelvin assistia a cena com um sorriso bobo no rosto.
- Não, só... Só tô fazendo graça só... - respondeu, um pouco tímido.
- Desce daí. - Ramiro ordenou, encarando-o nos olhos com um olhar intenso.
O garoto obedeceu imediatamente, sentindo um frio besta na barriga.
- Tem que descer, né? Que eu vou amassar seu carro... - ele brincou, disfarçando o nervosismo que tomava conta do momento entre os dois.
- Você vai ver onde eu vou amassar... - Ramiro resmungou, se aproximando de Kelvin com um olhar brincalhão no rosto.
O ruivo riu, se apressando para dar um apertãozinho na cintura do homem e sair correndo.
- Eu que dou apertãozinho hoje! - gargalhou, sendo acompanhado por Ramiro, que saiu correndo atrás dele.
Por mais que eles se conhecessem já há algum tempo e não conseguissem ficar longe um do outro, ainda estavam tentando entender todas aquelas memórias confusas que invadiam suas cabeças quando estavam juntos. Memórias que nem mesmo tinham compartilhado naquela vida. Nenhum dos dois conseguia compreender, ainda, o que aquelas lembranças poderiam significar.
Eram memórias de outras dezessete vidas que compartilharam um com o outro. De amor, cumplicidade e felicidade genuína. Quando finalmente se dessem conta disso, seriam livres para viver seu amor na forma mais pura.
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100 VIDAS COM VOCÊ - Kelmiro
Hayran KurguO que você faria se soubesse que existem almas gêmeas? Que é verdade essa história de que duas pessoas foram feitas uma para a outra, que suas almas foram programadas para se encontrarem e se apaixonarem em todas as encarnações que vierem juntas? ...