1°- Defeito de fábrica

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"Não consigo viver sem trabalho cerebral. Para que mais vale a pena viver? Fique aqui ao lado da janela. Já reparou em como este mundo é melancólico, sombrio e inútil? Veja como a neblina amarelada desce para as ruas e envolve as casas de cores mortas. O que poderia ser mais desesperadamente prosaico e material? Doutor, qual é a utilidade de se ter uma habilidade quando não se tem campo para pô-la em prática? Crime é um lugar-comum, a existência é um lugar comum, e qualidade alguma salva aquilo que o lugar-comum executa neste mundo."

- Filha! - Kira levantou o rosto, assustada - Kira? Kiryn!! - revirou os olhos. Por que sua mãe cismava em chama-la assim?

A garota levantou-se da cama rapidamente, fechando seu livro com força e tacando-o em baixo da sua cama. Prendeu os cabelos o mais rápido possível e antes que pudesse correr em direção seu armário, sua mãe entrou bruscamente pela porta.

- Kira!

- Sim? - ela tentou sorrir diante da expressão brava da mãe.

- Estou te chamando há um tempão! O que estava fazendo de tão importante?

- Eu só estava... Tirando uma soneca. - Kerry arqueou a sobrancelha, reparando na mentira descarada de sua filha.

Ela andou até o pé da cama e abaixou-se delicadamente, o que fez Kira bufar de raiva. A mãe pegou o livro repousado sobre o tapete e se pôs de pé, em frente à filha, que tinha estampado na cara um sorriso sem graça.

- Você estava lendo?

- Er... Talvez. - ela respondeu, sendo totalmente reprimida pelo olhar decepcionado da mãe.

- Quantas vezes terei que dizer que mulheres como nós não precisam disso? Onde consegue tantos livros, minha filha?

- Isso não é importante... Não vejo problemas em mulheres lerem! Não entendo por que isso te incomoda tanto!

- Minha filha, mulheres não nasceram para ser inteligentes... Só precisamos saber ler, falar e escrever. Aprendeu isso não escola, não?

- Sim, mas...

- Então para que livros? Nunca irá conseguir um marido assim.

- Existem vários homens que preservam uma mulher inteligente, mãe.

- É. Os velhos, barbudos e pobres, Kiryn!

- Não me chame assim!

- Mas é seu nome!

- Colocasse nome de gente em mim então! - Kira revoltou-se. Odiava, simplesmente odiava essas atitudes da mãe.

- Ok. Ok. Kira, não queremos um cara assim, queremos?

- Você não quer um cara assim.

- Porque eu me preocupo com você! - a mais velha falou, vendo o rumo que a conversa tomaria, novamente - Veja suas irmãs, elas estão muito felizes com seus maridos... E quem os escolheu?

- Você... Eu sei, mas...

- Mas nada! Chega desse assunto! Isso ficará comigo... - apontou para o livro - E você, vá se arrumar! O jantar já está pronto e temos visita!

- Sim senhora. - Kerry sorriu, finalmente deixando o quarto.

Kira fechou a porta assim que a mãe saiu, se sentindo mais livre apenas com ausência da mãe. Qual o problema de mulheres quererem ler? Estavam no século 19, o que havia de errado naquilo? O mundo estava cada vez mais moderno lá fora.

A garota foi até o espelho, se observando.

Bom, às vezes ela achava que nascera no século errado. Kira era como um defeito de fábrica, em todos os sentidos. Começando por sua aparência. Seus cabelos eram lisos, 100% lisos, o que era um grande problema: só existiam mulheres de cabelo enrolado naquele mundo. Ela era obrigada, por sua mãe, a dormir com um monte de rolinhos na cabeça nas épocas escolares, para sair de casa ou para ir a festas.

Odiava usar aqueles vestidos enormes, e odiava muito mais os espartilhos. Argh! Como amaldiçoava esse nome trilhões de vezes ( a pessoa que criou o espartilho deveria ser a pessoal mais cruel de todo este universo) e sem contar que ela odiava seu nome. Kiryn. Que tipo de pai da o nome da filha de Kiryn?? Ela obrigava todos a chamarem de Kira (por mais estranho que também pareça), seu apelido, que ela até julgava gostar.

Apesar das ordens da mãe, Kira continuou com sua camisola. A única coisa que fez, foi prender o cabelo em um meio rabo de cavalo. Somente isso. Na verdade, ela estava até achando que tinha se arrumado de mais para um simples jantar em família, já que provavelmente a visita seria sua tia, sempre aparecendo de vez em quando.

Ela abriu a porta de vagar, evitando fazer algum tipo de barulho. Caminhou pelo grande corredor, e em vez de virar para as escadas, virou para... Hum, podemos chamar de elevador secreto.

Kira foi até o elevador de carga e deu duas batidas no caixote grande de madeira e mexeu na corda de palha que o mantinha pendurado.

- Niall! Está aí? Eu quero descer! - ela cochichou, batendo nele novamente.

- Kira? Suba! Já vou te descer.

Niall abaixou um pouco o caixote, afrouxando a corda e Kira conseguiu se enfiar no buraco, subindo em cima dele.

- Pode descer!

Seu amigo foi soltando a corda de pouco em pouco, até que o caixote passasse por ele.

- Você engordou! - ele comentou, amarrando a corda em seu suporte para que o caixote não despencasse até o último andar.

- Bom te ver também! - Kira saiu do "buraco" e abraçou o loirinho a sua frente - Como você está? Nem conversamos direito essa semana.

- Estou bem... Trabalhando, você sabe.

- Sei... E sinto muito por isso. Já disse que se eu pudesse, mandaria meu pai te ajudar, mas aí minha mãe descobriria que meu amigo trabalha na nossa casa e nos expulsaria daqui.

- Por que sempre fala da sua mãe como se ela fosse o ser mais cruel do mundo?

- Porque ela é, simples assim! - Kira sentou na bancada, sendo cumprimentada por outros empregados.

- Kerry tirou outro livro de você, não foi?

- Talvez... Tá legal, sim ela tirou. Como ela pode ser tão má? Sempre chegando no mesmo papo de que mulheres deviam ser ignorantes e burras. Se não formos inteligentes, o que será da nossa raça? Pra que existimos então? Apenas para satisfazer os prazeres de homens velhos podres de ricos?

- Kira, você já é uma nova espécie, sabe disso. E eu concordo com você... Mas as maiorias dos homens não. As burras são sempre mais atraentes para eles. São mais fáceis de manipular, incapazes de enfrenta-los na frente de alguém e funcionam como marionetes: fazem exatamente o que eles querem.

- É como Shakespeare disse "Choramos ao nascer porque chegamos a este imenso cenário de dementes".

- Exatamente.

- Bom, só vim dar oi. Tenho que ir para o jantar da família perfeita.

- Boa sorte! Ah, eu e adorei a camisola. Combina com seus olhos. - Niall zoou e Kira riu, mandando um beijo para ele.

Cumprimentou mais alguns empregados antes de sair despercebida pela porta da cozinha. Era comum eles verem Kira por lá, e nunca a destratavam, totalmente ao contrário, adoravam ouvir as histórias que ela tinha para contar de vez em quando.

Ela sorriu, com seu sempre bom humor bipolar, e andou pelo corredor, ouvindo o som de sua bota contra o piso caro de mármore, fazendo um eco irritante soar pelo espaço.

- Está atrasada! - escutou a voz de sua mãe, antes mesmo de atravessar a porta para a sala de jantar.

- Eu sei, me desculpe! Só estava... - Kira finalmente chegou à sala e parou de falar imediatamente sobe a quantidade de pessoas acomodadas na mesa - Ocupada.

Todos sentados se levantaram e a garota nem teve tempo de contar, já sendo intimidada pelo mesmo olhar decepcionado da mãe (provavelmente devido suas vestimentas inadequadas).

- Filha, que bom que veio se juntar a nós! - seu pai, Willian, quebrou a tensão instalada no momento - Querida, esses são os Tomlinson's.

Breawakay (Ft. One Direction/Louis Tomlinson)Onde histórias criam vida. Descubra agora