Sendo surda oralizada, Amali tem um sonho guardado no coração: ela gostaria de ser professora do Ensino Fundamental, mas não tem sorte. Ela já concluiu a faculdade de Letras - Português e se sente totalmente preparada para ensinar, mas, em sua busca...
Cabeçalho de cor café com leite. Ao meio, uma tira retangular contornada por um pontilhado azul. Dentro lê-se: "Capítulo 2" em roxo. Abaixo, um aparelho auditivo nas cores azul e branca.
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Mal lembrava da escola de Ensino Médio que havia estudado. Muito menos da de Ensino Fundamental. Não tive tempo de guardar boas lembranças de lá porque praticamente nenhuma foi marcante o bastante. Assim que ponho os pés nessa, minha mente é tomada por uma lembrança.
Estou com dez anos. Voltar à escola com um negócio estranho e barulhento no ouvido me incomoda. De frente para a classe, testo se irá mesmo acontecer o que o fonoaudiólogo disse à mamãe.
O que ele disse?
"Bem, se a Amali começar a usar o aparelho desde agora, ela apenas vai poder ouvir uns chiados. Só que mais altos, claro. E vai incomodar, porque já não está numa idade adequada para o uso, senhora." – Olhou invasivo e sério para minha mãe.
"E por que o senhor diz isso, doutor Dumas?" – ela segurava a alça da bolsa de pano com força demais. Eu conhecia aquele gesto. Apreensão.
"Ora, é porque demoraria menos tempo para se acostumar se a Amali estivesse frequentando um otorrino desde logo depois do diagnóstico de surdez. Não pode demorar muito. O começo de adaptação ao aparelho, no caso dela, teria que ter sido solicitada mais cedo, senhora Alzira."
Mamãe pôs a mão na testa. Parecia arrependida de ter me levado até ali. A testa franzida.
"Agora sou eu quem estou com dor de cabeça..."
Eu me encolhi na cadeira ao prestar atenção no rosto abatido ao meu lado. A conversa deles ruía demais para mim. Nós tínhamos passado na farmácia e ela havia comprado uma caixa com trinta comprimidos para mim no caminho para a clínica.
Lembro de ter tomado um deles ali mesmo, a céu aberto. Bebi uns goles d'água da garrafa de plástico roxa que estava na bolsa de mão que ela trazia. Voltamos para casa depois da consulta com o otorrino. Não pude guardar nada da conversa. O doutor só deu um papel com inscrições de caneta. Mamãe não deixou vê-lo.
No ônibus, ela tentou dizer que a cabeça latejava e dos seus olhos escorriam lágrimas.
Depois de chegar em casa, a aspirina começou a fazer efeito e eu finalmente dormi. O silêncio dizia:
"Você pode dormir agora."
Mas no dia seguinte, eu tive que ir à escola e ele ficou barulhento demais na minha cabeça.
Fui empurrada durante o recreio e crianças maldosas gritavam perguntando:
"Por que sua cabeça dói se você não escuta a gente? Mentirosa! Você está mentindo para nós! Você está escutando a gente, sim!"