Capítulo 06

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Christopher despertou alarmado, com a respiração ofegante, o suor escorria pela blusa de tecido fino, outra vez o mesmo pesadelo? Ele balançou a cabeça, levantando da cama, foi até a cozinha pegar água. Tomou em um ato desesperado o líquido, a boca parecia tão seca, imagens do celeiro de sua casa pegando fogo não saíam de sua mente, as últimas lembranças de seus pais naquele fatídico dia apareciam sempre que fechava os olhos. Tentou não dormir na noite anterior, mas o cansaço acabou o vencendo, passou as mãos pelos cabelos, talvez a perda do bebê abriu algumas feridas em seu coração, todo aquele sofrimento havia retornado, concluiu ao observar os cômodos vazios da casa.

― Rex, o que acha de passear hoje? ― perguntou para o cachorro que o fitava curioso. ― Preciso de um ajudante. ― O rapaz se abaixou, tocando os pelos macios do animal, que apenas bocejou em resposta.

No alto dos seus doze meses, foi a estimativa que o senhor Uckermann concluiu pelo tamanho do filhote, cheio de energia desde o dia que chegou, havia destruído o pé de uma cadeira, dois sapatos, inclusive um vestido da esposa... O homem recordou da feição brava dela, na mesma hora um suspirou pesado escapou de seus lábios. Apesar da canseira que dava para cuidar do Rex, o bichinho era uma ótima distração para seu estado atual, então, encarando o bocejo do cachorro como um sinal afirmativo, ele pegou seu sobretudo, o chapéu e assobiou, chamando pelo animal.

***

Dulce espiou a amiga que permaneceu calada durante o trajeto até a cachoeira, o que, ao refletir, pareceu estranho, Anahí era conhecida por ser uma pessoa falante. A ausência de palavras desde a noite anterior começava a intrigá-la.

― Então, já desistiu da ideia estapafúrdia de se separar? ― a jovem loira declarou, segurando uma flor para cheirar as pétalas.

― Ah, por isso seu silêncio? ― questionou a moça ao balançar a cabeça. ― Não...

Annie virou o rosto para inalar a fragrância de outra planta, o que fez a mulher apreciar o som da água corrente e do vento brando que chacoalhava as folhas das árvores. De repente uma imagem cruzou a mente dela, sentindo aquela mesma sensação de se acalmar no peito de Christopher após revelar a verdade do seu passado. Não conseguiu segurar as lágrimas ao ouvir o canto dos pássaros, parecia ter sido transportada para aquele exato momento em que cada batida do coração do senhor Uckermann era um alívio para seus pensamentos conturbados.

― Dul, o que houve? ― a amiga perguntou preocupada por perceber seu estado.

― Isso é tão injusto! Eu o amo, mas ele merece o pacote completo, não algo pela metade.

― Por que não? Vocês podem tentar...

― Não é tão simples assim. ― A moça encarou o chão. ― Por causa daquele clorofórmio, posso não gerar um filho.

― Maldito seja! ― Anahí praguejou enfurecida, referindo-se a Lourenzo. ― Ele precisa pagar por todas as atrocidades que cometeu, não é possível que escape impune. ― A amiga estava tomada pela indignação.

― Você não pode imaginar a aflição que me consome... O único desejo daquele homem é uma família e eu temo que não serei capaz de realizar o sonho dele. ― Os olhos da mulher marejaram, refletindo a dor que carregava.

― Com todo o respeito, eu compreendi sua perspectiva, mas você está disposta a abrir mão do seu marido maravilhoso para sempre? ― Annie arqueou as sobrancelhas. ― Por mais que haja a separação judicial, diante da igreja o vínculo conjugal é indissolúvel, correto?

― Já imaginou se daqui a cinco anos nada mudar na nossa situação? Certamente terá muita frustração, brigas, então por que adiar? Assim, Christopher encontrará alguém que consiga lhe dar uma família, mesmo que seja apenas no papel, sem a bênção de Deus. ― A moça fechou os olhos entristecida, ainda sofria por pensar nisso.

― Pelo amor de Deus, Dul! O homem também está sofrendo, no caso dele, achou que perderia você e o bebê, já lhe passou pela cabeça isso?

Ela encarou a jovem loira com a testa franzida, para ser sincera a resposta era não...

― Você não pode deixá-lo escapar assim ― Anahí declarou desconcertada.

― E você possui uma solução mágica para resolver as coisas?

― Oras é bem simples: adotem uma criança. ― Ela colocou uma mão na cintura, enfatizando seu argumento. ― Há muitas crianças enjeitadas*.

Dulce arregalou os olhos, para alguns homens isso era uma ofensa, ou melhor, uma desonra.

― Você acha que o Christopher aceitaria ter um filho sem ser do mesmo sangue?

― Ah, por favor... ― A amiga revirou os olhos como se a mulher falasse a maior besteira do mundo. ― Até parece que não conhece o seu marido, ele não é igual ao resto dos ignorantes.

Pensativa, refletiu sobre as palavras da jovem loira, enquanto a observava cheirar outra flor. Os olhos azuis de Annie brilharam animados, talvez convencida de sua persuasão, a garota havia tocado em um ponto certeiro.

― Vamos, Dul? ― chamou a atenção da moça.

― Para onde?

― Preciso passar na modista, quero ver as novidades daqui! ― Sorriu empolgada.

Sem muita vontade, Dulce acompanhou a amiga no trajeto para o estabelecimento, antes de entrarem, ela avistou mais para frente a delegacia. De repente, foi movida por um impulso de correr ao encontro de Christopher.

― Eu já volto ― mencionou para Anahí e seguiu na direção que desejava.

Estava literalmente correndo pelas ruas, uma poeira fina se espalhava ao mesmo tempo que seus pés tocavam no chão, as pessoas a encaravam com semblantes confusos, entretanto sua atitude já não deveria mais espantá-las. Esbaforida, adentrou na delegacia, encontrando apenas o sargento Acácio.

― Olá, senhora Uckermann ― ele respondeu temeroso pela sua chegada.

― O xerife, cadê? ― Buscou o ar enquanto tentava recuperar o fôlego.

― Ele saiu, é a vez dele vigiar o dono do Burlesque.

― Ah... ― disse frustrada.

Ela coçou a testa, será que era melhor deixar um bilhete ou esperar? Um latido ecoou pelo cômodo logo depois.

― Rex! ― exclamou surpresa ao ver o cachorrinho sentado perto da mesa do marido. ― Você veio trabalhar hoje? ― Aproximou-se dele.

O animal então a lambeu assim que a moça estendeu a mão para acariciá-lo. Estava com saudades!

― O que acha de um passeio? Quer passear? ― Ele abanou o rabinho contente.

Dulce pegou o cachorro no colo, mas desistiu, muito pesado, concluiu! Precisava de uma corda, após procurar por uma, amarrou no pescoço dele.

― Avise ao senhor Uckermann para me encontrar mais tarde ― ela comentou para o sargento.

― Acho que ele tem um jantar marcado hoje.

― É mesmo? ― a moça perguntou curiosa, queria saber se realmente era quem imaginava. ― Com quem?

Acácio desviou os olhos, desconfortável, enquanto a mulher permaneceu observando o homem, levantou uma sobrancelha quando o rapaz voltou a encará-la.

― Não quero confusão para o meu lado.

― Com quem? ― Ela repetiu firme.

― Julieta ― o sargento sussurrou.

― Ah, perfeito! Até mais. ― Dulce acenou deixando para trás um Acácio cheio de dúvidas, receoso se a reação dela era um bom sinal.

Relembrou o dia em que apartou as duas no Burlesque, sentindo que o xerife estaria em maus lençóis.

*Enjeitada= era como chamavam uma criança órfã. 

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Anahí, mulher se você tivesse chegado antes não teríamos uma Dulce desajuízada! Mas mesmo assim, acho que ela ainda se sente "incapaz" por não poder gerar um baby : ( deve ser complicado isso...

E esse jantar? Será que vai dá ruim? kkk  Nos vemos no próximo capítulo, beijos amores ; * 

A Dama de Vermelho - Parte 3Onde histórias criam vida. Descubra agora