Capítulo 14

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Em passos apressados, a senhora Uckermann percorria a rua, seu semblante enfurecido evidenciava claramente o descontentamento que a dominava.

― Ah, Julieta... ― resmungou enquanto se dirigia para o Burlesque. ― É bom você ter uma boa desculpa para não aparecer na igreja.

O padre era conhecido por sua firmeza, superando até mesmo o ex-delegado Monteiro e após uma hora de atraso da garota, o sacerdote ameaçou chamar as autoridades para resolver o problema, deixando claro que as consequências recairiam não apenas para a entojada, mas também para a moça. Ao adentrar no estabelecimento, soltou o ar com força, surpreendida pelo silêncio, não avistou uma alma viva... O que chamou mais a sua atenção, apesar de ser cedo, Dulce achou estranho o fato das dançarinas não estarem ensaiando algum número, como era de costume.

― Onde se meteram? ― exclamou alto.

Então o barulho de algo caindo no chão a fez virar a cabeça para o camarim, atrás do palco.

― Julieta?

Ela andou na direção do estrondo, continuava irritada por ter que ficar atrás da garota.

― Falta pouco para o padre nos dar uma penitência maior... ― a mulher abriu a porta do camarim ao mesmo tempo que despejava o sermão. ― Ai, meu Deus, o que aconteceu? ― Ao fitar a entojada ensanguentada, de roupa rasgada e com alguns hematomas pelo corpo, seu coração se apertou. Caída no chão, Julieta parecia tão vulnerável.

― Vai embora... ― a outra sussurrou.

A senhora Uckermann aproximou-se dela, pegou seu xale pressionando o corte na testa da garota onde o sangue escorria. Não precisava de muita informação para identificar o responsável pelo ataque brutal, em seu interior sabia que essa história não terminaria bem e esse era o desfecho inevitável.

― Você consegue andar? ― perguntou ignorando o protesto anterior da dançarina.

― Por que você está me ajudando? ― Os olhos da ex-colega a encaram espantados.

― Pois não desejo o que aconteceu com você nem para o meu pior inimigo. ― Observou as lágrimas escorrerem pelo rosto dela.

― Eu sinto muito Cat ― pronunciou com uma certa dificuldade, era difícil se desculpar. ― O filho do coisa ruim apareceu aqui nos dispensando do serviço, enxotou todas, mas eu vi quando ele rapou o dinheiro do cofre, tentei impedi-lo e... ― Não conseguiu terminar a frase, a voz embargou.

― Vamos tirar você daqui e passar no doutor Almeida, certo?

― Não, você precisa fugir ― Julieta tossiu, para em seguida completar em um múrmuro. ― Ele ainda deve estar por aqui.

― Mais um motivo para nós duas sairmos logo ― Dulce levantou para espiar o corredor.

― Eu sinto muito. ― A garota repetiu chorosa. ― Estou arrependida pelo que eu fiz ontem... Durante toda a minha vida, sempre me abandonaram, aprendi que não se pode confiar em ninguém. Eu invejava a sua força e determinação, mesmo nos seus piores momentos, você tratava as pessoas com bondade. Como consegue, mesmo agora?

― Tem dias difíceis, já pensei em desistir. ― A mulher voltou para buscar a ex-colega. ― Mas percebi que todos temos nossas próprias batalhas, então devemos plantar aquilo que gostaríamos de colher. ― Piscou para ela.

― Você foi muito afortunada na sua colheita ― Julieta comentou em um tom malicioso e a senhora Uckermann soltou uma risadinha entendendo a referência ao marido.

― É, quem sabe você não plante a mesma sorte, hein? Há outros peixes no mar. ― Ela sorriu encorajando a dançarina.

― Ora, ora, foi mais fácil te encontrar do que imaginei, docinho... ― Mesmo de costas, Dulce visualizou a expressão maquiavélica no rosto de Lourenzo.

A Dama de Vermelho - Parte 3Onde histórias criam vida. Descubra agora