Capítulo I - O fim é um novo começo

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Dizem que no momento da nossa morte, poucos instantes antes, temos um vislumbre da nossa vida, as nossas lembranças vêm-nos aos olhos naquele instante minúsculo. Existe uma teoria diferente, de que não são todas as nossas lembranças, mas sim apenas os momentos que mais importam, que mais nos marcaram.

Num navio de guerra, os sons de espadas colidindo, o cheiro de ferro e pólvora queimada, a sensação da maresia, gritos de fúria vindo dos vários homens num combate intenso, diferenciados apenas pelas cores e as suas vestes, uniformes militares manchados de sangue tomando o azul da sua nação, em contraste com os demais combatentes sem pudor nas suas vestes, surradas, maltrapilhos e em farrapos de todos os tipos.

Nada naquele lugar realmente importava, mesmo no meio do oceano entre grandes navios disparando uns contra os outros aos sons ensurdecedores de canhões, era como se o mundo estivesse parado, o tempo congelado, com a exceção de dois indivíduos que numa troca de olhares se enfrentavam bravamente.

Aos olhos de todos, um casal se enfrentava no maior dos embates, ambos demonstrando grande brutalidade, frieza e perícia. Uma mulher com longos cabelos ruivos que ganhava o destaque no ambiente e um rapaz, sob as melhores vestimentas dentre os soldados com alguns detalhes em fios de ouro como um nobre. A respeito das suas habilidades em esgrima, os demais pareciam meras crianças duelando com espadas de madeira ou bambu como iniciantes.

Como inimigos naturais, de forma constante, ambos desferiam golpes tão velozes e precisos ao ponto de as colisões das suas lâminas mostrarem o atrito em formas de faíscas. Presos na dança do combate, indo da popa à proa, desviando dos demais, usando o ambiente ao seu favor desde as cordas prendendo as velas do navio que caiam ao serem rompidas, o piso elevado e prejudicado com fissuras das avarias vindas dos canhões o deixando desfavorável e o pouco espaço de movimento pelos demais batalhando. A mulher de forma surpreendente, conforme o combate continuava, aos poucos mostrava ser superior ao homem, os seus ataques com a sua espada entre os golpes conseguiam trespassar a defesa do jovem e em instantes, entre as respirações ofegantes e intensas de ambos, as manchas carmesins se faziam presentes em suas vestes.

A superioridade estava estabelecida em poucos minutos, estava claro que mesmo cansada, afinal seu oponente não era fraco, a ruiva detinha habilidades cujo qual nunca havia se deparado, agilidade, força, frieza, perícia no manejo de uma espada curta.

- Até quando vai continuar com essa resistência inútil? - pronunciou a ruiva em alto e em bom-tom, claramente demonstrando em sua fala o seu cansaço.

Mantendo alguns metros de distância segura entre ambos, nesse pequeno instante para respirar, dada a intensidade do embate, a bucaneira, ofegante como o tal elevou sua espada empunhada em sua destra horizontalmente, demonstrando que não desistiria até trazer o fim ao seu rival, que por sua vez mesmo ferido com diversos cortes no seu corpo na região do busto, mesmo que superficiais, se manteve de pé e reagiu de acordo, com a sua cordialidade a qual não esperava receber da Pirata.

- Desistir? Acha mesmo que eu desistiria depois de finalmente estar cara a cara contigo? - Entoou o jovem rapaz, firme e com astúcia em sua voz.

Aquela batalha estava longe de acabar, e dada ao assunto ambos já estavam envolvidos indiretamente neste grande conflito a muito mais tempo do que podíamos esperar. Escorrendo sangue do seu braço canhoto, o qual segurava sua lâmina, não recuou. Levantando o rosto, encarando a beldade monstruosamente habilidosa que estava diante de si, o rapaz elevou, assim com ela, sua espada, indicando que este duelo estava longe de ver um fim e ambos lutariam até seus últimos suspiros.

Pela visão dos homens lutando no ambiente, mais uma vez os sons das espadas do casal colidindo era ouvida, e mais uma vez um dos duelos mais intensos acontecia, como um espetáculo, um "show" de habilidades que reles humanos não acreditavam que conseguiriam realizar tão facilmente, mas que desta vez não teria durado muito.

Atirando o rapaz do navio, rumo ao mar de sangue que já havia se formado, ato este copiado pelos vários homens sem lei que pareciam estar lado a lado da ruiva, ao que tudo indicava, aquela mulher e a suas forças teriam saído vitoriosos mesmo que por um grande custo pessoal da sua parte.

Caindo de joelhos, ela parecia dizer algo para si, pouco antes de estender o braço rumo ao chão e em seguida ao seu próprio peito, sujando suas vestes com aquela mancha de sangue dos seus dedos.

- O que estão fazendo parados, seus cães? Temos uma guerra para vencer! - Disse ao notar ser observada, erguendo seu corpo, devolvendo a espada para sua cintura e que após poucos passos, agarrou firmemente o timão daquele imponente galeão com suas quarenta "bocas de fogo", porém avariado pelo combate.

Sob os destroços de um "Man of War" que afundava no meio do Mar Aegir, o Galeão de guerra daquela que ficou conhecida como a Senhora do Mar Carmesim seguia para o próprio abate em meio a guerra que estourava no mundo contra o seu povo.

Dizem que quando estamos para morrer, pouco antes das nossas almas deixarem o brilho dos nossos olhos, temos um vislumbre de nossa vida. Hoje eu vejo que esse vislumbre é uma mentira, ele não nos passa toda a nossa vida, mas sim os momentos que mais nos marcaram e que mais significaram para todos nós enquanto vivos.

A dúvida constante do que o jovem rapaz daquele dia teria visto diante dos seus olhos, quando seu brilho teria ido embora. Teria visto a sua família? Talvez tivesse alguém para quem voltar em casa, alguém o esperando na porta da frente para o abraçar, ou assim como aqueles que abdicavam suas vidas ao oceano, talvez fosse sozinho e sem esperanças de ter alguém, mas em seus últimos momentos um minúsculo vislumbre de quem poderia ter sido se o seu destino não tivesse sido tão cruel.

Infelizmente nem todo homem tem a sorte de encontrar no seu caminho uma profetisa capaz de o guiar para evitar tamanhos problemas, talvez o mundo tivesse seguido para um rumo melhor até aquele instante se houvesse a quem recorrer, mas já era tarde.

Os ventos vindos do Norte sopravam com força, levando o Leão Vermelho ainda mais rumo ao sul do continente, abandonando apenas os restos de tudo e todos os que ousaram aparecer diante de si, cruzar seu caminho e pereceram.

Tais perguntas de nada adiantariam, tais pensamentos de nada mudariam o passado e os eventos que trouxeram a esse resultado, este que levaria a inúmeras demais consequências no futuro, mas assim como uma história precisa ser contada, essa também deve continuar, e não apenas perecer em apenas poucas e poucas páginas de um livro o qual ficará guardado numa estante qualquer, pois a verdade que está para ser dita, os segredos prontos para serem revelados ao mundo, vem de uma época de antes deste fatídico dia que tudo mudou, mais especificamente... dois anos antes.

A Coroa do MarOnde histórias criam vida. Descubra agora