"Artórius"
Estava cara a cara com quem um dia chamei de pai, algo que não ousava fazer nem por um instante visto a sua mudança drástica depois da grande catástrofe.
As portas do salão se fecharam e até mesmo os guardas haviam se retirado. Aquela seria uma reunião totalmente particular e mais uma vez parecia que estava ocorrendo conforme os planos dele.
Olhando nos seus olhos, azuis como o mar assim como os meus, era como olhar para um espelho, uma versão de mim mesmo, anos mais velho e responsável, porém infinitamente mais amargurado pelo tempo.
— Por que da sua atitude repentina? Tentou me defender ou o trauma continua em sua mente? — Falou e ergueu-se do seu lugar, seguindo pelo salão rumo a uma das mesas encostadas na parede, onde tomou uma taça de ouro e nela se serviu com o vinho da jarra também dourada que estava ali. — Houve um tempo em que você me servia vinho como meu copeiro real. Eram tempos mais fáceis.
— Eram tempos em que o senhor agia como um Rei, mas sabia ser um bom pai. — Me enchi de coragem, já estávamos sozinhos de toda a forma.
— Um bom pai? É nisso que está preso? A memória de um tempo juntos em família, essa foi a causa da sua defesa, sentimentalismo nostálgico? — Encheu a sua taça e serviu uma segunda logo em seguida.
— Talvez, mas mesmo que fosse, eu também tenho os meus motivos para odiar qualquer dizer sobre aquele tempo. Algo que o senhor faz questão em aparentar esquecer, mas sei que sente tanto quanto eu.
— Quando sua mãe morreu dando à luz a sua irmã, eu a prometi que cuidaria de vocês. É claro que sinto a perda daquela noite dez anos atrás, mas a vida continua — Trouxe uma das taças para mim e me entregou ficando frente a frente.
— Continua? Então por que ainda tem uma cadeira a sua direita vazia se eu sou seu herdeiro? Em anos nunca sequer cogitou substituir o lugar dele, então qual o motivo de me colocar como o seu herdeiro? Todos sabem que não sirvo para o trono, mas também sabem que o meu lugar é buscando vingança por ele. — Agarrei a taça que me entregou e dei um longo gole.
— Seu irmão foi meu primogênito. Ele era preparado, obstinado e focado. Sempre soube o que queria e estava mais do que preparado para usar a coroa.
— Senhor, com todo respeito, não tente falar do Regulus. Ele já está morto tem dez anos. O senhor perdeu um filho e eu perdi um irmão, um bom irmão, um que o senhor sempre mostrou se importar, mas na manhã seguinte todo esse conselho estava reunido e me considerando o seu herdeiro. Eu, com apenas nove anos.
— Deveria ter nomeado a sua irmã no seu lugar? Olhe como ela está, acha mesmo que ela seria melhor para as responsabilidades usando a coroa do mar? Não seja tolo Artórius, mais do que ninguém deveria saber que os deveres com o império vêm em primeiro lugar, seu irmão sabia disso e mesmo assim foi morto por colocar os interesses pessoais no lugar do dever!
— Que interesses pessoais? — Perguntei estagnado. Essa foi a primeira informação divergente que recebi desde o ocorrido, diferente daquilo que os mestres e demais educadores contavam. — O que meu irmão estava fazendo naquela noite?
— Você é um rapaz petulante. — Exclamou e em seguida deu um gole em sua taça. — Seu irmão poderia ter tudo, mas escolheu o próprio destino. Ele o controlava, e foi esse sentimentalismo que o levou a ruína, então se tem que odiar alguém por suas novas responsabilidades, não sou eu.
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A Coroa do Mar
FantastikToda Dinastia tem um início, mas tudo aquilo que começa em algum momento deve chegar ao fim. Num mundo onde a política entre Reinos, Impérios e Nações Livres se ameaçam constantemente, manter o equilíbrio e a paz se torna cada vez mais um desafio, p...