A corrente

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Lúcifer detesta pecadores. Esses seres cobertos de ruindade embrulham seu estômago. Com o demônio do rádio não se diferenciou. Morningstar nutriu essa cólera desde que viu Alastor pela primeira vez. Algo no vermelho o enfezava, provocava seu lado mais demoníaco e inflamado. Lúcifer se imagina com as garras no pescoço do overlord, quebrando aquela fina região. Ele adoraria observar o corpo desfalecer em seus braços e, apesar de repugnar carne, degustaria esse belo cervo.

Pecadores são mais traiçoeiros que os nascidos no inferno. Quando ele apoiou o livre arbítrio, não considerou que essas almas se aproveitariam para realizar os mais hediondos e inimagináveis atos. O pai que abusa da filha, e estupra a neta após matar a própria esposa. Assassinos em série, pedófilos, zoófilos, canibais, estupradores, genocidas. Ele abomina esses seres pecaminosos. Se ele pudesse receber todos os criminosos para torturá-los seria uma dádiva, porém, o Paraíso é hipócrita. Várias maçãs podres pararam nos céus e os anjos fecharam seus olhos para isso. A boa e velha dissimulação.

Alastor foi um desses humanos imundos. Ele se pergunta quais atrocidades o vermelho cometeu quando vivo, sem contar as que realizou morto. Mal parece um demônio assassino e manipulador dormindo. Talvez essa seja a hora de executar seus pensamentos intrusivos e, finalmente, partir ao meio esse pescoço estreito.

O loiro encaixa os dedos da mão esquerda na região sem fazer força.

"Essa é a terceira vez que faz isso." Alastor se manifesta, ainda de olhos fechados. Lúcifer tira a mão do local e finge que não fez nada. "Esqueceu do nosso acordo?"

"Não." Sua negativa sai mais irritada que o planejado.

"Ainda que eu esteja sedento por matá-lo, senhor Morningstar, respeito as vontades de Charlie." O maior ajusta o monóculo que repousava na cabeceira em seu rosto.

O demônio do rádio levanta da cama e se direciona ao closet do quarto que eles dividem. É espaçoso, escuro, repleto de olhos e possui uma paisagem belíssima do inferno - ou o mais próximo de belo. O governante encara o pentagrama enorme no céu, recompondo-se do recém desejo sanguinário.

Eles estão dividindo quarto há um mês. Toda vez que acorda, o loiro sente uma vontade incontrolável de assassinar esse cervo magricela.

A primeira noite deles foi aterrorizante.

"Que caralhos tu tá fazendo?"

Alastor amontoou uma pilha de travesseiros e lençóis no canto do quarto, construindo um colchão improvisado.

"Recuso-me a dividir cama com alguém com menos de 1,70."

Um corte tão afiado que nem sangrou. O anjo caído demorou alguns segundos para processar a ofensa, já que sua altura era um assunto delicado.

Uma ideia infantil atravessou sua mente.

"Durma no chão frio, então" Estalou os dedos, sumindo com a espécie de colchão e tapetes da alcova. O overlord, sem sequer tremer o sorriso, debruçou-se sobre a cama. Ele apoiou os cotovelos e balançou as pernas.

"Satisfeito?" O loiro ficou roxo de raiva "Percebo que vossa majestade necessita de minha presença ao seu lado, por isso, farei esse sacrifício."

O menor respirou fundo. Buscou aliviar a tensão nos ombros e trouxe de volta os lençóis desaparecidos em outro estalo. Ele montou uma enorme barricada no centro na cama de casal, dividindo-a em um muro de travesseiros. Alastor o observou com as perninhas animadas.

"Não cruze a linha." A frase seca se fez suficiente para a ameaça omitida. Ele iria matar Alastor caso invadisse seu espaço pessoal.

"Nem em meus piores pesadelos."

Killing me | RadioappleOnde histórias criam vida. Descubra agora