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"Ela tem um sorriso no rosto e uma faca na mão.
Ela não parece muito sã quando age assim."

Dancer in the Dark ~ Chase Atlantic

Dancer in the Dark ~ Chase Atlantic

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Para onde vamos quando morremos?

É uma pergunta que costumo evitar, mas sempre retorna, assim como tudo na minha vida. Ótimo, terei de suportar, mas, mesmo assim, a faca que está em minha mão pulsa entre meus dedos, e eu a seguro com ainda mais força. Ela é minha outra horrível companhia, serve-me de apoio, mesmo que signifique que ela me machuque. Tudo é assim.

Eu a odeio - a faca - o modo como desejo segurá-la quando lágrimas ameaçavam-me a sair. Assim como meus dedos, que formigam, implorando por um cigarro, baseado, minha boca doendo pelo sabor, sempre que esses pensamentos me atormentam.

Mas agora, sendo levada junto a brisa da erva, encaro a faca, questionando-me novamente: 

Para onde vamos quando morremos?

Para o céu? O inferno? Um limbo? Voltamos a viver como outra pessoa? Ou simplesmente: puf! Deixamos de existir, ficamos encarando a escuridão eterna?  

Acho que quando eu morrer quero ser uma pedra. Encarar o mundo… às vezes deslocar-se quando alguém te segura, sentir absolutamente nada. Que pedra eu seria? Por que não crack? Eu sumiria tão rápido quanto apareci.

Por que as pessoas pensam para onde vão quando morrem? Elas fizeram algo na qual se arrependem e temem ao inferno? Como matar uma pessoa? Elas têm medo de que não sejam salvos? Como eu?

Fecho os olhos, deixando a fumaça esvair dos meus pulmões. Esforço-me para deixar meus músculos relaxados, o pensamento voltando à mente de novo, me odiando por permití-lo adentrar-se na minha cabeça.

Suja. Suja. Estou suja. Talvez ter me lavado até sangrar não tenha sido o suficiente.

Porque suas mãos ainda estão em mim - e eu tinha gostado -, porque a pureza que havia em mim se dissipou. Foi como me banhar no sangue do pecado.

Veja o sangue, veja o sangue. Faça, vamos, veja o sangue sair do seu corpo pelo corte, o modo como você lentamente se deixa escapar por míseras feridas. Não sobrará nada seu ao final.

Abro os olhos, deixando de ver a escuridão aconchegante, infeliz por ter despertado para o real. A lâmina da faca brilha contra a luz. Ainda não me decidi. 

Nem sempre fumar me deixa dispersa, às vezes pioram meus pensamentos, aqueles que eu queria calá-los. Às vezes, eles fazem questão de perturbar sua mente, repetindo-se até você ter impressão que está sendo sussurrado em seu ouvido. As vozes mudam e gritam: “corte, afinal, você ama ver o sangue sair lentamente da sua pele.” Elas te seduzem a um ponto que você não pode resistir, então você apanha a faca e desliza com toda a sua força sobre sua coxa.

Você só se dá conta quando há sangue deslizando sobre a sua coxa, a ardência não é o suficiente. Então, mais embaixo, você faz outro e observa o sangue sair. Você limpa e guarda a faca como se nada tivesse acontecido. Observar seu sangue foi legal e tudo mais, mas não te fez sentir nenhuma dor maior ainda. Maior do quê?

Da dor do seu corpo. Não são seus músculos, é seu cérebro pedindo para parar: de se mover, de falar, de respirar, de viver. Você e ele não suportam mais ter de estar sempre atento a cada detalhe de merda do mundo, por isso ele decide sua própria realidade, onde só pode visitá-lo em sonho. Dormindo. Desejando que seja para sempre.

A partir daí você passa praticamente horas sem se lembrar que você se feriu e quando vai dar uma olhada você desperta. Observa o tanto de sangue que saiu de seu corpo e chega a ser um pouco desesperador. Quando eu o fiz, nada aconteceu, nenhuma dor surgiu, como eu não pude notar? Como eu não pude notar que eu fiz isso?

A partir desse momento você deixa suas lágrimas escaparem de forma descontrolada, enquanto aquele buraco estranho que há em seu peito começa a se afundar mais e mais. Você esquece de respirar - mentira, você prende a própria respiração, pensando se dessa vez Deus terá piedade de levá-la - e quando recupera o fôlego há aquela imensa vontade de berrar e quebrar tudo que há a sua frente. Em seguida, senta-se no chão, agarra e puxa os cabelos desesperadamente.

Por que eu fiz isso?

Ligo o chuveiro na água gelada. Não me importo de tirar as roupas. Contanto que eu sinta que não respiro mais por breves segundos me parece ser o suficiente para me acalmar. Estar sob água fria é como morrer por alguns segundos, dor, falta de ar. E quando tudo isso passa, você encara o nada, pensando na água que cai sobre seu corpo e, na melhor das hipóteses, nenhum pensamento vem à sua mente. Será que vai ser assim quando todos nós morrermos? Essa é a sensação de ser uma pedra?

Com um pouco de relutância, desperto dos pensamentos vazios e saio do banheiro, tentando secar meu cabelo com a toalha, atravessando a cozinha e chegando ao quarto. Aproximo-me da cômoda que fica ao lado da minha cama e abro a gaveta. Respiro fundo. Não há mais nada. Nenhum sinal de pelo menos um cigarro.

Pego meu celular e ligo para Nate, balançando a perna, inquieta.

— Alô? 

Tive que reunir um pouco de forças para falar. Levo minha mão à testa, já me arrependendo um pouco de ter ligado.

— Pode passar aqui mais tarde?

Um longo silêncio, certeza de que ele deve ter aberto um sorriso do outro lado da linha. É lógico que fez. Sua risada ecoa um pouco.

— O que vai ser hoje?

— Se liga, eu só quero a sua droga. — Outra risada. — Eu estou falando da erva, seu…

— Aham, eu entendi. — Nate diz, fingindo um tom sério. — Vai pagar como dessa vez? — Sussurrou ao telefone.

Desta vez eu causo o silêncio no meio da ligação. Tive o impulso de encerrar a ligação, mas já sentia a abstinência gritando dentro de mim. Penso em como responder.

— Eu vou achar algum dinheiro. — Digo, de modo que faça ele rir. A voz falha devido ao cansaço. Ele não acredita em mim. Respiro fundo mais uma vez, tentando não xingá-lo.

— Sei. — A voz era puro deboche. — Mais tarde passo aí. No lugar de sempre?

Reviro os olhos.

— Lá fora. — Não quero que você suje minha casa com seus pés e alma imundos.

— Até mais… — Desligo antes que ele se despeça.

Tentei controlar minha vontade de jogar o celular do outro lado do quarto, ou chutar a cômoda, ou socar a parede ao perceber que o buraco em que me meti estava ficando cada vez mais fundo, quase sem chão. Intervi meus pensamentos depois de olhar para minha coxa. Tive que desviá-los na frustração de achar dinheiro. Não havia nada, apenas meros centavos.

Jogo-me sobre a cama, aceitando meu castigo: lembrar que existo, que estou sozinha, que não tenho ervas nem cigarro, nem mesmo remédio para dormir. Eu consegui acabar com todos eles.

Fecho os olhos. Imaginei que, se não vejo o mundo, não poderei ver a realidade. Torci ao máximo para que meu cérebro se calasse mais uma vez e que eu fosse transportada para o silêncio e escuridão.

☆𝙳𝚊𝚗𝚌𝚎𝚛 𝚒𝚗 𝚝𝚑𝚎 𝙳𝚊𝚛𝚔☆Onde histórias criam vida. Descubra agora