IV

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Uma coisa que inicialmente parecia divertido se torna entediante

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Uma coisa que inicialmente parecia divertido se torna entediante. Mas tudo depende do ponto de vista.

Algo que você acha entediante uma hora se torna interessante e vice-versa. Eu só não esperava que o divertido se tornasse entediante e logo depois se tornaria algo viciante e muito, mas muito mais interessante.

Vulnerabilidade. Essa é a palavra. A diversão que sinto em assombrá-la, a excitação que percorre meu corpo juntos aos seus arrepios, o sorriso que se forma em meus lábios ao vê-la entregar-se completamente para mim, às minhas ordens, permitindo que eu dê à ela todo o seu desejo oculto dentro de si. Mesmo com todas essas sensações, de fato, não é o verdadeiro motivo pelo qual desejei ficar.

É o quinto dia, senão me engano.  Não lembro claramente a quanto tempo estou  aqui. Mas, ao que me parece, essa mortal é ingrata, desobediente, mimada e, acima de tudo, rebelde. Exala uma energia tão forte e pesada que foi quase impossível não ser atraído para cá.

Ela foi influenciada tão facilmente quando a convenci a pegar os doces. A mortal me permitiu tocá-la e me deu ouvidos. E  é ainda melhor observá-la confusa, achando que enlouqueceu. Arranca-me um sorriso genuíno, uma risada que havia dentro de mim tão fundo que quase me esqueci que eu era capaz de rir.

Ela deveria ao menos me agradecer, agora mesmo a mortal está sentada olhando para o nada aproveitando todas as balas, chicletes e chocolates. E tudo graças  a mim, o ser que a induziu a pegar os doces. O ser que sussurrava em seu ouvido para que pegasse o que queria. 

Confusão, arrependimento, tristeza… não, nada disso parece ser interessante no momento. A mortal não parece mais tão divertida assim, quantos sentimentos repetitivos exalam dela… estou me sentindo tonto e enjoado. Talvez eu possa voltar quando tudo isso ficar mais…

Um toque, uma vibração. Uma ligação. 

A mortal tira o celular debaixo dela, analisa a tela e suspira. Irritação, raiva, ira. Agora sim, algo intrigante.

— O que quer? — Outra respiração longa. Um sorriso involuntário aparece em meu rosto.

— Não vai sair para me ver, docinho? — Disse uma voz do outro lado do telefone. — Ou vai me deixar entrar?

O modo como ela se levanta foi até um pouco desesperador, a julgar pelo modo que ela engoliu em seco, afastando os cabelos longos do rosto, levantando-se rapidamente e procurando qualquer coisa que estivesse à sua frente. Espiando um pouco pela janela.

— Eu já disse que tenho dinheiro. — A mortal anda pela casa, arrumando suas coisas, pegando algo sobre a mesa. Ela desliga o telefone e atravessa a porta. — Esse desgr… — Ela o xinga fora de casa.

Perseguindo sua energia rancorosa, caminho pelas ruas meio vazias, analisando-a dos pés a cabeça, seus longos cabelos escuros como os céus à noite se balançam junto ao vento, atrapalhando sua visão, fazendo-a tropeçar com a calçada.

Algo nela - seu jeito, talvez - o modo como reage às coisas, o jeito impulsivo de se controlar contra ela mesma para não acabar com a própria vida; sua aparência, com cabelos tão longos que se atrapalha quando movimenta o corpo, as roupas que usa constantemente: uma camisa e um moletom - que me forcei várias vezes para não pensar no que diabos teria embaixo do tecido, algo sobre a blusa e o casaco, se é que tinha alguma coisa.

Algo que não sei dizer certamente - talvez toda a sua essência-, me faz me sentir bem. Algo a mais do que a satisfação de alimentar-me com sua áurea. Uma sensação de nostalgia me dominou junto ao meu deja-vú. Eu suspiro uma outra vez, tentando não admitir que estou completamente confuso com toda essa merda. Talvez seja por isso. Não foi só a sua vulnerabilidade, mas era a emoção que me vinha como uma onda forte, acertando meu corpo em cheio. 
Enquanto caminhava pelas ruas escuras, o poste amarelo preenchendo e poluindo todo o lugar, acompanhando a mortal a uma distância razoável, senti uma vontade inesperada surgir.

Eu desejei com todas as minhas forças correr até ela, em meio a rua escura do lugar precário que ela vive. Abraçá-la por trás, inalar seu cheiro, um cítrico envolvente e, quanto mais afundava meu rosto no seu pescoço, mais podia sentir como ela era doce - um cheiro tão nauseante quanto o desejo que os primeiros pecadores da terra sentiram.

Minhas mãos deslizariam pelo seu corpo. Sentindo-a de todas as maneiras, as mãos formigando e percorrendo-a depressa como se nada fosse o suficiente para senti-la mais profundamente

E, naquele momento que eu a veria, sentiria seu cheiro, a tocaria, eu me preencheria por completo. Tive a impressão de que isso aconteceu. Ela riu, o que é estranho. Foi confortante e caloroso, e eu nunca havia visto ela rir.

Que merda estou pensando?

A mortal interrompe seus passos, no meio da rua, ela olhava para os lados, até que ela olhou para trás. Não sabia dizer se ela realmente conseguia me ver ao longe, ela apenas olhou para o que havia atrás de si e ficou encarando por longos minutos.

Seus olhos que mesmo ao longe, pude sentir como se algo muito pesado houvesse caído sobre mim, a dor permanecendo em todo o meu corpo enquanto eu permanecia encarando-a, quase tempo o suficiente para que eu visse a sua alma, que, estranhamente, me fez querer aproximar ainda mais dela. O desejo da luxúria dominando-me, eu não estava com pensamentos muito bons. Até que isso é normal para um demônio. Mas odeio ter pensamentos a respeito de outros pecados.

Às vezes sinto que estou fora de mim quando acontece.

Acho que fiquei parado por muito tempo quase no meio da rua. Mesmo quando ela se virou, eu ainda me via preso em seu mundo, o mundo dos seus olhos - castanhos, quase pretos e indecifráveis. Um mundo que fazia meu peito doer. O que mais me surpreendeu foi a dor insuportável que senti ao despertar, analisar a rua, procurar por ela.

De fato, a sua vulnerabilidade e a sua densa energia não foi a única coisa que me fez ficar.

É por isso que esse caso completamente entediante se tornou viciante para mim. Intriga-me, desejo querer saber mais. Essa mortal é como um livro ainda embalado: nunca foi aberto, nunca foi lido, nunca ouvido falar; são todos os fatores de algo que em breve poderá surpreender. 

Intriga-me o fato de eu sentir medo. Não me lembro de ter sentido algo semelhante, ainda assim, é muito familiar. Em certas ocasiões, eu sentia medo: medo de sentir-me envolvido com sua energia, medo de perder a mim mesmo pela forma que estou me envolvendo… medo de perdê-la.

Eu mal a conheço. Gostaria de poder entender o porquê, de repente, quando ela apareceu, sentimentos que eu havia esquecido quase completamente vieram à tona.

Sugarei toda a sua energia até que acabe e vou sumir da mesma maneira que apareci.

Meus pensamentos já estavam indo longe demais. Foque, foque na energia da mortal  e sinta a euforia atravessar seu corpo e sua mente.

☆𝙳𝚊𝚗𝚌𝚎𝚛 𝚒𝚗 𝚝𝚑𝚎 𝙳𝚊𝚛𝚔☆Onde histórias criam vida. Descubra agora