Capítulo 12 - Ruínas

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Um Ano Depois...

- Scott

Eu não dormi direito durante todo esse tempo; minhas olheiras profundas e arroxeadas revelam esse fato. Todos os dias, eu pensava em vingança, em como matar Scar Shoufier da forma mais dolorosa possível.

Desde a morte de Laurie, o que sobrara de meu pequeno mundo cor de rosa, desabou. Se findou juntamente com a minha pouca vontade de viver, e então, surgiram tentativas de suicídio todos os dias. E mesmo sabendo que eu não iria morrer, eu tentava, fazia inúmeras tentativas na esperança de alguma delas dar certo e eu finalmente descansar.
Porém, não funcionou. Continuo vivo. Mais do que nunca. Mas não somente a mim, meu desejo sombrio de vingança também habita dentro de meu coração. Se é que tenho um.

"Tóxico"

"Maluco"

"Mal amado"

"Maligno"

Talvez de fato eu seja.

Observo o palácio em que estou agora. Donetsk, onde passei a maior parte de minha infância. Olho para as paredes mofadas e ensanguentadas, que antes, eram limpas e polidas. Eu amava brincar por aqui, pela sala do trono; correndo, pulando, sendo feliz. São poucas as lembranças que obtenho de meus cinco ou seis anos de idade; tenho plena certeza de que eu era alegre, muito feliz, antes daquilo. Do Karachai.

Jogado aos seis anos em um lago radioativo, é como se eu tivesse nascido lutado para viver, e agora, luto para morrer. Entretanto, meu poder, adquirido no lago Karachai, é tão sombrio quanto vitalício. Não me permite morrer. Não me permite. Esses poderes pelos quais nunca desejei, me impedem de chegar às portas do submundo. Qualquer pessoa, qualquer mero humano, desejaria esse poder, desejaria viver para sempre. Assim como os caçadores anseiam. Agora eu, eu nunca pedi por isso.

Sou fruto de um estupro nojento. Evan Vakhno estuprou Ivana, minha mãe, no dia em que ela se casaria com o homem que sempre chamei de pai: Ethan. Eu a amava muito, amava meus pais. Ivana e Ethan. Os amava mais do que qualquer coisa no mundo, até que Evan os tirou de mim covardemente e encobriu seu ato até que depois de anos e anos eu descobrisse.

Ivana poderia ter tirado minha vida antes que eu nascesse; mas ela não o quis. Ela me teve, me amou, cuidou de mim. E serei grato eternamente à ela, a pessoa que mais amei.
Senti meu coração trincar e quebrar no dia em que pude ver na mente dela o que Evan fez. Bom, a princípio, não pude enxergar o rosto dele, um borrão me impediu, então eu fiquei sem saber até o dia em que ele mesmo admitiu para mim. Nunca senti tanto nojo de alguém como senti e sinto de Evan; mesmo que ele esteja morto.

Aqui, no local onde meus pais morreram em minha frente, sinto o ameaçar das lágrimas em derramarem sobre meu rosto pálido e gelado. Aquelas gotas vermelhas, elas pertenciam aos meus pais. As manchas de sangue no chão onde piso, são dos soldados traidores que matei naquele dia. Matei, descobrindo pela primeira vez que eu podia transformar uma pessoa em puro osso com o urânio em minhas veias. Sem perceber, derreti cada soldado que servia aquele rei maldito que cortou a garganta dos meus pais em minha frente. O corpo de meus pais não foi afetado pela radiação; não, porque minutos antes de eu matar todos os traidores, o rei ordenou que levassem meus pais já sem vida, para fora da sala do trono.

O som de minhas botas ecoa enquanto entro no salão. Olho para cada parte, tentando encontrar um mísero cantinho que não me cause vazio interno e muita tristeza. Miro meus olhos para cima, para o candelabro apagado e desgastado. O teto está rachado, o piso do chão também. Este lugar está abandonado há mais de um milênio.

Mas...

O real motivo de eu estar aqui, é para enterrar de vez meu passado, minhas dores. Ser outro alguém. Ser uma nova versão de mim.

Infelizmente, não consigo segurar. Algo comparado ao sol arde meus olhos, me fazendo chorar, desabar em lágrimas e gritar, gritar bem alto para descontar todo o sofrimento que vivi durante toda a minha vida. Tudo. A tentativa falha de meu tio em me matar, a morte de meus pais, a descoberta de meus poderes sombrios, a morte de Zeyna, de Laurie, e de meu filho.

Limpo minhas lágrimas após chorar por vários minutos, e então, intencionalmente, gero uma força poderosa que treme e balança o chão enquanto sobe pelas paredes podres e as racham. Racham pouco a pouco, subindo pelo teto e então, tudo desaba. Tudo desmorona, mas não permito que os destroços caiam em mim.

Por que não?

Eu irei morrer. Mesmo que nem aqueles destroços me matem, mesmo que eu seja totalmente indestrutível de corpo e alma. Irei achar alguma forma de morrer, mas antes, levarei Scar Shoufier comigo.

Rússia - Sul dos Montes Urais

Lago Karachai.

Rússia, em frente ao lago Karachai. Local onde meu tio mandou que me jogassem quando criança, local onde ele tentou se livrar do próprio filho; todavia, infelizmente não conseguiu, apenas deu a ele poderes estranhos e uma imortalidade anormal, além da compreensão

O vento provoca em minha pele calafrios, e a fraca luz do sol não é capaz de me aquecer. Nem um pouco. Este lugar é inabitável, nenhuma alma viva ousa colocar os pés nessa parte da Rússia. O lago Karachai é repleto de radiação, restos de urânio, resto de materiais tóxicos e corrosivos utilizados em experimentos. Tudo isso, entrou em mim, tudo isso, sou eu. Eu, me tornei a doença do mundo. A violência em forma de vírus. Eu não sou um simples homem, eu sou alguém...

Que deveria estar morto.

Ignoro o fato da água estar mortalmente gelada. Apenas sigo em frente, pisando dentro daquelas águas até meu corpo estar submerso. Enquanto me dirijo ao meio do lago, minhas roupas derretem, já não existem mais, o frio toma conta de meu corpo, mas não ligo, estou aqui por um só motivo.
Sinto as pedras de musgo abaixo de meus pés nus, algumas espetam meus pés e outras são macias. O cheiro da água se assemelha à folhagens e veneno.

Viro-me de costas e mergulho, molhando até o topo da cabeça. Ali, embaixo d'água, lembro-me da sensação de quando era menino, o desespero correndo por minhas veias enquanto tentava me soltar dos braços gélidos das águas. Hoje, não sinto nada disso, sinto apenas um frio na barriga ao lembrar de tudo, do meu trauma, contudo, esse ato é necessário.

Essa ação, consuma minha morte. A morte de meu antigo ser.

Foi ali onde nasci, e também onde meu antigo ser acaba de morrer.

DOMÍNIO VERMELHO - Príncipe de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora