O que acontece depois da meia-noite?

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O relógio no seu pulso indicava que era 17h30. Apertando os lábios, você observou pela tela montada na hospitality o carro azul e rosa parar nos boxes pela segunda vez. A confusão momentânea que tomou conta do lugar foi substituída pela frustração quando a voz do engenheiro soou pelo ambiente.

— Vamos retirar o carro.

O silêncio que se seguiu podia parecer melancólico, até mesmo pelo contexto. Porém, você sabia que o homem dentro do carro estava mordendo a própria língua, segurando todas as palavras que a frustração de mais um abandono naquela temporada, justamente naquele dia, fariam ele berrar pelo rádio.

"Não sou mais uma criança para fazer pirraça, Y/N", você ouviu ele repetir na sua mente, a frase acompanhada do sorriso travesso que fazia os seus órgãos internos se transformarem em geléia. Você não fazia ideia de como seria viver sem ver aquele sorriso.

Vendo que ele estava fora do carro, você se levantou da sua mesa e, em silêncio, se esgueirou pelos corredores das instalações da equipe. Algo naquela caminhada solitária fez com que o seu coração acertasse ainda mais, até encontrar a porta com o nome dele, as letras brancas contra o fundo azul-marinho.

Fernando Alonso.

O caminho de vocês se cruzou meses antes. Com a sua dívida estudantil crescendo cada vez e o salário que você ganhava no seu estágio mal dando para pagar a sua parte das contas do apartamento que você vivia com uma colega, você decidiu recorrer a sugestão de uma das suas amigas, cuja vida tinha dado uma virada depois de se cadastrar num site especializado em relacionamentos sugar.

As primeiras semanas foram pouco promissoras. Os caras que você tinha demonstrado interesse pareciam mais interessados em fotos dos seus peitos do que em realmente conversar com você e avançar em algum acordo. Até que, durante um intervalo do seu plantão, um perfil sugerido chamou a sua atenção.

A foto principal parecia ser profissional, tirada no convés de um iate, e mostrava um homem de cabelos escuros e a sombra de um sorriso no rosto com os braços cruzados. As outras imagens eram mais informais, uma tirada ao lado de uma janela de avião e outra na academia, uma faixa na cabeça e as veias saltadas no pescoço indicando que ele estava fazendo esforço.

Na descrição do perfil, Fernando se apresentava como um espanhol de 41 anos em busca de alguém que pudesse acompanhá-lo nas viagens dele em troca de um pagamento generoso. A ideia de ser paga para viajar parecia interessante, mas definitivamente não encaixava na sua ideia de seguir com os seus estudos para se tornar uma médica em Miami.

Naquela noite, você acabou por não tocar no coração na tela.

Porém, quis o destino que, ao fim do seu estágio, você não recebesse a carta de recomendação que tanto precisava para aplicar para o programa de residência com o qual você sonhava desde o início da graduação. Você era apaixonada pela área da pediatria e a ideia de trabalhar num dos grandes hospitais infantis da Flórida, o Holtz Children's Hospital, sempre esteve na sua mente.

— Y/N, é evidente que, apesar de você ser uma estagiária excelente, você tem cometido erros bobos no preenchimento das fichas e dos prontuários — o seu orientador disse durante a última reunião de vocês — Além disso, os relatórios estarem muito aquém do que esperamos de uma aluna com a sua capacidade.

— Mas, as minhas notas...

— São suficientes, sim, mas o programa requer mais do que notas, Y/N — ele disse, enquanto retirava os óculos — Requer que os residentes estejam na sua melhor forma, tanto academicamente quanto mentalmente. E está claro pra mim que você não cumpre o segundo quesito.

Você piscou. Era tão óbvio que você estava cansada assim?

— E o que eu faço? — você perguntou, tentando engolir o nó na garganta.

[FERNANDO ALONSO] One ShotsOnde histórias criam vida. Descubra agora