Lembro que um dia, andei perdida em um terreno cinza. Porém por sorte ele era liso, não íngreme. Por um tempo meus passos foram leves e calmos. As vezes eles eram assim porque eu sabia apreciar a vida, outra hora era porque eu estava morta demais. Mecânica demais. Imersa em uma felicidade cegante. Uma que me fez esquecer de todas as cicatrizes que eu tenho. E acredito que por isso busquem a felicidade, o suposto paraíso, que até hoje não me mostraram provas. Querem esquecer suas cicatrizes.
Não me venha com esta mentira de que, se eu mostrar minhas cicatrizes de primeira, me acharão bonita. Na verdade vão me achar feia. No primeiro contato, sempre pareça perfeito, coloque muita maquiagem nessas cicatrizes, está bem?
Eu andei por um bom tempo da minha vida neste chão acinzentado. Não haviam cenários por ali, tudo o que eu via de bonito era mental. Imaginações lunáticas minhas. Até que em determinado momento... de tanto andar, de tanto ver várias facetas do labirinto... vi uma fresta razoavelmente grande.
E ao olhar para ela, vi um local demasiado iluminado. Me chamou a atenção. Seria este o paraíso que diziam?!
Quando eu era criança, por nunca tê-lo visto criei um rancor dele. Sim, de um lugar que eu nunca presenciei. Então minha mente estava toda corrompida de foligens sobre o paraíso. Mas agora eu já estou crescida, certo? Agora eu posso ser corajosa, certo? E ver o paraíso. Coloquei meu olho na fresta e vi uma estética perfeita. Anjos tão perfeitos que envergonhariam todos os homens. E senti uma tímida vontade de entrar por aquela fresta. Mas eu não conseguia, veja, eu não sou tão fina assim para passar por ela.
Então comecei a criar em minha mente, minha íntima mente, maneiras de entrar ali. Havia um muro alto, eu com certeza podia pegar uma corda e lançá-la! Fiquei feliz por um instante com aquela ideia. E ao olhar de novo para aquela fresta, meu olhar cruzou com o de um anjo e ele pareceu simpático para mim. Me senti segura, até olhar para o chão cinza novamente, eu o vi sem querer. Desviei meu foco. E então caí em mim, eu não tenho corda. Eu sempre andei de bolsos vazios.
Volta e meia, andando por aquele terreno cinza, encontrei uns viajantes e comerciantes. Suas lábias eram boas, então eu vigiei o camelo deles por um tempo sem nem ser paga por isso e achava que aquilo era lealdade. Como eu sou pobre de experiência! Meu olho ardeu um pouco como se eu fosse chorar pois eu não pude evitar de lembrar desses viajantes. E como meu ódio e amor por eles são harmônicos! Até hoje! Eles alimentam minhas células de alguma forma misteriosa. Suas vestes tinham cores tão bonitas e eu pensei que só aquelas cores existiam para o além do cinza. E após meu contato com a fresta percebi que até então meus braços sempre estiveram cheios de poeira.
Nunca encontrei a água no labirinto, esse líquido puro que faz a pele nascer de novo. Um belo rouxinol começou a cantar ali por perto e isso me irritou. Me estranhei. Antigamente eu me contentava com aquele rouxinol, mas agora ele me estressa. Eu quero que ele fique quieto! Ver um pouco do paraíso me deixou gananciosa sobre o que o mundo tem de belo.
Não quis me dar por vencida. E me sentei no chão perto da fresta. E lembrei que aquele anjo olhou para mim e eu disse a mim mesma que talvez ele se daria ao esforço de vir me pegar. Afinal, eu me dei conta, em um momento tarde demais que eu não mereci nada daquele cinza, daquela frieza, daquela mortidão.
Me deitei no duro chão e comecei a devaneiar. Comecei a pensar que se aquele anjo me pegasse então eu encontraria o que é a felicidade pelo menos uma vez na vida. Que aquele cinza conhecido foi só uma brincadeira de mau gosto feito por crianças maldosas, mas eu as perdoaria porque o toque do anjo seria tão sagrado que tudo seria fatalmente justificado. Até as dores mais agonizantes. Ele poderia finalmente me mostrar o que é a água. A água em mim que me esqueci. Eu forço minha mente para lembrar mas... não consigo.
Então fiquei lá por noites e noites. Eu não quis mais vagar. Andar perdida no chão acinzentado como antes. Quando eu me lembrei dos meus antigos passos eles me pareceram mortos, pareceram mascarados, um teatro frio.
Até que em um dos amanheceres eu levei um susto ao admitir que a fresta era muito pequena. E que não haviam cordas ou escadas. E os anjos não se agraciaram de mim. Eu me segurei para não chorar, tenho medo da água seja ela em um terreno ou nos meus olhos. E como sou escrava do medo! As vezes ele parece um pouco um amigo...
Eu não me despedi da fresta. Eu me virei de costas a ela abruptamente. Respirei fundo e comecei a dar passos para longe. E me fui... Agora cá estou eu, debaixo de um poste cinza. Um apagado, felizmente. Pois tenho evitado os postes com luzes, suas luzes embora artificiais me lembram do paraíso. Os postes parecem a minha mente. E agora eu me irrito profundamente com luzes. Tenho vontade de estrangulá-las.
E viajantes que trazem lamparinas eu fecho meus olhos para eles pois para mim eles não passam de uns escuros. Minha vida nunca mais será a mesma novamente. Metamorfose. Metanoia. O fim.
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Minhas filosofias
RandomApenas os pensamentos de uma garota que gosta de refletir. Se você gosta de assuntos pensantes pode vir. Ou... se talvez você só esteja muito curioso para saber o que eu penso e quer fofocar.