Capítulo X: O Novo Mundo

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Alyter

     Era noite. As águas de Ylla-ma encontravam-se envoltas num breu fúnebre e terrificante, não era possível ver nada no horizonte a não ser a mais densa escuridão, e sonidos perturbadores surgiam das profundezas como o prenúncio de um mau que espreitava as sombras. Repentinamente, gritos desesperados começaram a ecoar por todos os cantos, infiltrando-se na mente de Alyter que fechara os olhos em rendição ao medo. Os gritos clamavam pelo syrenio com angústia e sofrimento: "Alyter", chamava repentinamente a voz de Cyreus. "Por favor, me ajude", suplicava a voz de Alyta. "Isso é culpa sua", disse a voz do próprio Alyter. "Tudo isso é culpa sua!" Bradou própria a voz do syrenio. O ser do mar então abriu os olhos, deparando-se com outro de si logo a sua frente, o encarando com ódio.

     Alyter abriu os olhos, acordando para a realidade. Sua visão demorou um pouco para se adaptar a pouca luz do ambiente. O syrenio estava deitado sobre uma superfície extremamente macia e diversas peças de tecido cercavam-lhe o corpo. Seu novo corpo. Alyter se assustou ao deparar-se com o par de pernas que se encontrava logo a baixo dos lençóis, o que fez com que o ser do mar caísse da cama onde se encontrava. Demoraram alguns instantes até que o jovem rapaz relacionasse todas as informações: já não tinha mais a forma de um syrenio. Com dificuldade, Alyter pôs-se de pé, dando os primeiros passos de sua vida em direção ao grande espelho que se encontrava no recinto, e caindo três vezes no caminho. Ter pernas era mais difícil do que ele imaginava, andar era "pesado", em nada se comparava com a fluidez e leveza do nado.

     Ao finalmente chegar em frente ao espelho, Alyter pôde enfim vislumbrar as nuances de sua nova forma. Ele estava coberto por peças típicas do vestuário humano, aquelas eram feitas de um tecido brando e claro, todavia, apesar de sua leveza, ainda incomodavam o syrenio. Pernas longas e torneadas haviam tomado o lugar de sua longa cauda e todas as escamas que haviam em seu corpo haviam desaparecido. O jovem rapaz também já não tinha barbatanas ou guelras, ali, parecia-se totalmente com qualquer outro ser humano e aquilo inevitavelmente o angustiava. Alyter sentia-se um traidor, havia traído o Sagrado Oceano, o seu povo e a si mesmo. Uma pequena pérola desceu por seu rosto e o syrenio rapidamente a descartou, independentemente de qualquer coisa, ele faria o que era preciso e aquele seria o seu conforto em toda a sua jornada: era necessário, mesmo que fosse absurdo.

      Abismado com o recinto peculiar em que se encontrava, o jovem rapaz tentava lembrar-se de como havia chegado naquele lugar, a última coisa de que tinha memória era a visão do céu estrelado numa praia rochosa e de uma dor excruciante e sem precedentes. Repentinamente, pequenas batidas foram ouvidas e um humano velho, grisalho e baixinho entrou pela porta, assustando Alyter.

     — Oh, vejo que finalmente acordou, me chamo Rondor, é um prazer recebê-lo aqui. — Disse o homem com certa reverência.

     Alyter ficou boquiaberto, completamente abismado. O syrenio, para a sua total surpresa, era capaz de compreender tudo o que saia da boca do homem.

     — O que...? — Questionou Alyter, que automaticamente colocou as mãos sobre a boca.

     O jovem ser do mar encontrava-se absurdamente estapafúrdio, subitamente, da noite para o dia, ele era capaz de entender e falar a língua dos homens, aquilo era absurdo.

     — Bem, vejo que parece um pouco abalado, imagino que deva ser uma situação difícil. Por favor, aguarde, eu trarei algo para você se alimentar. Com sua licença. — Disse Rondor, retirando-se do recinto.

     Ao sair, o homem deixara Alyter sozinho com a porta do quarto aberta, o que foi uma deixa para rapaz, que prontamente saiu do cômodo, passando a vagar por aquele lugar que tanto lhe era estranho. Tudo era demasiadamente enfeitado, a arquitetura humana parecia extremamente exótica aos olhos do syrenio, haviam pinturas de seres humanos desconhecidos por toda a parte e diversos lances de escadas aparentemente impossíveis de descer, em suma, muita informação para um só dia. Em seu caminho sem rumo, Alyter também se deparou com diversos olhares surpresos e curiosos com sua presença, chegava a ser sufocante a quantidade de humanos que residiam naquele lugar.

A Dança das MarésOnde histórias criam vida. Descubra agora