cap: 3 Os gentis.

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O Anfitrião caminha pela terra desolada com grande pesar. Ele tira a cartola, e faz um gesto para que o chicote volte. Ao chegar a Porta, lentamente saiu, e olhou para trás, viu as chamas se remexendo em fúria, ouviu os gritos bestiais, e fechou rápido a Porta antes que pensasse demais. Porém, os rangidos continuaram. Os rugidos silenciaram, e o calor se foi, mas ainda tinha algo a enfrentar. O Garoto, por mais que não tivesse medo, estava assustado, ou seu corpo achava que devia estar.

-Olha aqui seu maluco, eu não sei como fez isso, mas eu não paguei por esta casa de horrores e nem vou. -Não conseguiu gritar. No fundo, não tinha raiva real, só estava confuso.

-Eu não sou totalmente maluco, e não espero que pague por esta visita, até por que é muito importante que esteja aqui. Falo sério, mas não espero que entenda agora. -Limpou a fuligem da Cartola.

-Eu já disse que não sou quem pensa. E se espera algo de mim, não tenho nenhuma obrigação com você. -Disse o Garoto.

-Sei, é isso que me impede de dormir. A Porta está sempre aberta, tanto para a entrada, como para partir. Mas me diga, -questionou o Anfitrião- você sentiu medo? Ou hesitação, ou qualquer coisa parecida?

-Não, acho que já sabia que era um truque.

-"Acho" é uma palavra perigosa. Você sabe bem que não é um truque; não sentiu medo porque sabia que não era uma alma ruim, sabia que era apenas um alguém lidando com suas decisões e seus demônios, lidando com solidão de ser um herói. -Suas palavras sobre o monstro não pareciam certas, como se não tivesse certeza do que dizia, ou melhor, como se fosse complicado demais para ser completamente correto.

-"E então poderá reinar no caos e morte" tem razão, era apenas uma alma solitária. Não adianta negar, era apenas um truque de uma pequena casa de horrores. -Disse confiante.

Como quem repreende uma atitude perigosa, o Anfitrião, com os olhos frios, olhou no fundo dos olhos do Menino e disse:

-Veja bem, criança, eu nego ser um truque, mas em momento algum eu neguei ser uma casa de horrores. Aquilo, era apenas uma alma como qualquer outra, amarga e ruim, porem essa em especial escolheu seguir um caminho menos egoísta que o dos humanos, escolheu se trancar com um dos maiores maus do universo.

-Que belos poderes você tem... -Antes que o deboche se completasse, viu novamente a falta de brilho nos olhos do Anfitrião, mas dessa vez parecia fatal, como que de repente tivesse sido atacado por uma triste epifania, como se as palavras do menino o mostrassem algo que não queria. Sob o ranger sinistro da Porta Sanguínea, vindo de trás de si feito uma trilha sepulcral, o Anfitrião, coberto pelo sentimento de culpa, deu-lhe um ultimato.

-A Porta está sempre aberta. Mas talvez não mais para sempre. -Disse após uma pausa.- Você é uma grande promessa, não posso obrigá-lo a nada, mas se não quiser nem tentar, vou ter de pedir para que vá. Nada aqui pode te machucar enquanto eu estiver aqui, embora forças lá fora sejam incontroláveis, não há o porquê hesitar, se esse é o problema. Decida agora, senhor.

Um certo temor invadiu o garoto, mas aquela sensação sobre ir veio novamente a tona. Impôs a si uma coragem super-heroica, e então disse em concordância:

-De que época é esse? -Disse lembrando a foto do inglês- E como assim se trancou?

Quase um brilho invadiu seus olhos, e um sorriso maníaco invadiu sua boca.

-De toda, Perdição fez isso, "Caia em si" lembra? Perdição se trancou em uma sala só, um exilio solitário onde só sairá quando necessário. Ela se arrepende da decisão, mas pediu que eu não a libertasse. Sempre que abro a porta uma pequena parte dela escapa, acho que por mais horrível que seja o mundo precisa de um pouco de perdição. Preciso lhe mostrar uma coisa para que entenda. Eu já expliquei sobre esta casa para todos que agora residem nela e, claro, eu odeio me repetir, siga-me.

Realidade pragmáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora