IX - A FILHA DO CAPITÃO (III)

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O irmão mais velho - e único - de Winter sempre dizia-lhe: a primeira coisa que precisas fazer é manter a calma. Isso quando era mais moço e irresponsável. Doyoung era um verdadeiro expert na arte de sair de casa durante as madrugadas, para farrear em puteiros de quinta, junto com os companheiros da faculdade sem ser descoberto pelos pais. Há seis anos ele mudou da água para o vinho, conheceu uma mulher num festival de colheita e nove meses mais tarde estava casado, sorrindo que nem um bobo pelo nascimento do primeiro filho. Manter a calma era fácil em teoria, mas não era assim que funcionava na prática.


Eram exatamente cinco horas da manhã. Chan tinha descido as escadas e estava no andar debaixo há mais ou menos quinze minutos. Winter o esperava no quarto, terminando de aprontar as malas. Ele tinha recebido muito bem a notícia de que seria abandonado, sentia-se tão sufocado nesse casamento que a loira quase ofendeu-se quando o marido se ofereceu para levá-la à estação de trem.


- Tudo pronto? - Chan entrou no quarto sorrateiro e falando baixo. Winter sentiria saudade dele, seria seu eterno confidente. - Temos que ir depressa, eu ainda preciso voltar para a capital antes das oito horas.


- Aconteceu alguma coisa? - Winter havia notado a mudança brusca de humor e no tom de voz dele. Geralmente, isso acontecia quando o chefe da polícia dava-lhe um caso pesado demais para resolver. - Chan, estás bem? Quem era lá embaixo?


- Era da forense. Querem meus homens no local do crime antes daqueles jornalistas abutres aparecerem. Devemos nos certificar de que não irão tirar fotos do cadáver, ou arruinar pistas importantes para encontrarmos o autor dessa gracinha. - O moreno pôs o casaco e o distintivo no bolso interno, tudo sob o olhar horrorizado de Winter. Era mesmo difícil aceitar mortes com tanta frieza, mas esse era o trabalho dele. - Quando aqueles idiotas souberem vai ser como uma ceia de natal. Eles adoram aumentar as coisas, espalhar o pânico e atrapalhar nosso serviço.


Chan puxou sem muito esforço as duas malas feitas em cima da cama, a dele e a de Winter, caminhou na frente para ter certeza que deixariam o casarão sem terem que dar satisfação tão cedo. Os dois desceram as escadas, os cômodos ainda escuros. Deu à cozinheira a missão de informar aos patrões que eles tinham ido embora às pressas por motivos de força maior, que depois explicariam com calma a situação toda.


Estavam a ponto de perderem o trem.


***


Karina e o pai estavam hospedados numa pensão minúscula próxima ao cais. Recusaram veemente o convite da família Lee para pernoitarem em sua casa com a desculpa de não quererem incomodar. Com o jantar servido, a conversa e as risadas altas à mesa escondiam desconfortos. O capitão sabia bem dos sentimentos que a filha mantinha há anos pela menina dos Kim, ele podia não ser um homem estudado, ou muito sensível, mas como um bom e velho lobo-do-mar não era cego. Via as cores dos destroços causados por um rabo de saia há quilômetros de distância. No entanto, nunca tocou no assunto mulheres - ou homens - com Karina.


Arrumaram as malas, fecharam a conta na pensão e foram direto para a estação de trem comprar as passagens. O navio mesmo velho tinha rendido uma ótima quantia em dinheiro, daria para viver sem muitos transtornos na Finlândia, além de cobrir todas as despesas das consultas médicas e remédios do capitão.


Trinta minutos, uma hora, duas horas e meia haviam se passado, mas quem estava contando? Karina não estava. Pela primeira vez experimentava o sabor acre que tinha imposto para várias mulheres desde os seus dezessete anos. Estava acostumada a ouvir "Vamos nos ver de novo?", enquanto catava as roupas espalhadas pelo chão de motéis, hotéis e quartos das passageiras no navio, sorrindo e acenando da forma mais cafajeste possível " É claro, Bora", mesmo que o nome da moça fosse Jia, Akemi ou Stephanie. Ela não parecia se importar com nada disso.


Pondo-se no lugar de Jia, Akemi ou Stephanie, a morena passou a acreditar em karma. Estremecia ao som de cada passo de salto naquela estação, mesmo convencendo a si mesma de que aquela burguesinha jamais deixaria sua vida luxuosa e confortável para se aventurar em outro país com a filha de um ex-capitão velho e doente. Levantou e levou as malas para a beirada da plataforma assim que o trem parou e abriu as portas, com o coração sendo atacado e dilacerado dentro do peito.


Eles entraram e se acomodaram em cabines diferentes.


- Por que diabos você entrou no trem sem mim? - Karina arrumava o casaco dentro de uma sacola entre os pés quando a porta abriu de repente e a voz descompassada de certa loira tomou conta da cabine. - Chan quase morre correndo e gritando para o maquinista parar e abrir as portas novamente.


- É um maricas mesmo.


Winter puxou a única mala para dentro e fechou a porta atrás de si, fazendo Karina observar em silêncio toda aquela afobação com um sorrisinho crescente nos lábios. O caminho de trem para o país vizinho demoraria mais de um dia. A loira se acomodou nos braços da filha do capitão, em minutos sentindo o subir e descer de uma respiração tranquila e exausta em suas costas. Tudo parecia estar em perfeito encaixe naquele momento.


Enquanto Karina dormia, ela assistia através do vidro da janela o raiar do dia e a paisagem se tornando cada vez mais rural. O trem passava pelas plantações de milho e pelas comitivas, encaminhando o gado pelas fazendas adentro, com o verde e o bege se misturando à medida em que os olhos dela também pesavam.


***


E foi Winter quem jogou os braços em torno do pescoço de Karina para puxá-la, aproximando os dois corpos para que as pernas se confundissem no sofá recém-comprado. Era bom sentir o abraço firme da morena, o corpo experiente de trinta anos pesando sobre o dela, emanando calor e um aroma intoxicante e tão familiar. Karina tinha um cheiro bom de vida. Embora tivessem se passado três anos, o desespero carnal entre as duas parecia o mesmo da primeira noite que passaram juntas em Helsinki.


As mãos de Winter agiam por conta própria, puxando a camisa de Karina para cima, aproveitando-se ao mesmo tempo para se deleitar percorrendo a pele de textura macia daquelas costas. Ela sabia que a filha do capitão se arrepiava sob seus toques e os correspondia pressionando de forma intensa quadril contra quadril. Karina arrastou o nariz por toda a extensão do ombro nu, inalando como uma viciada o cheiro delicado daquela burguesinha antes de abocanhá-la o pescoço, chupando como se dependesse disso para sobreviver. Adorava avermelhar aquela pele alva e sensível.


- Vai com calma, loira. - Karina sussurrou sem desmanchar o sorriso safado estampado no rosto. Winter há muito desenvolveu a destreza de descer o zíper da morena sem interromper a fricção deliciosa entre os corpos. Era relaxante aos músculos como anestesia em uns instantes, e como uma explosão de adrenalina em outros.


Era fácil demais deixar Karina com as pupilas dilatadas de tanto tesão e agonia, porque os beijos nunca eram somente beijos, vinham com uma carga rápida e dolorosa de lembranças juvenis. De quando transavam noites inteiras em alto mar sem reserva nenhuma de pudor. Antes era bom, mas elas preferiam mil vezes o presente. Winter adorava provocar Karina, adorava atiçá-la de todas as formas existentes, adorava sentir aquelas mãos brutas - e ao mesmo tempo leves como plumas - apertando suas coxas, traçando caminhos sinuosos entre elas, enquanto mostrava a dureza minuciosa de seus olhos implorando por tudo aquilo que podia-lhe ser oferecido.


Karina era seu porto seguro.


Fim.

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⏰ Última atualização: Mar 02 ⏰

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