VIII - A FILHA DO CAPITÃO (II)

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Lee Chan assim que entrou em casa tirou o casaco e o pendurou no cabide que tinha no hall de entrada. Era um policial e estava lidando com um novo câncer que crescia na cidade. Assassinatos aconteciam todos os dias por ali, além de manifestações de rebeldes contra o governo. Estava sendo tão comum andar pelas ruas e presenciar aos montes as veias sujas dos vagabundos em prostíbulos e casas de show para pedófilos, incêndios em orfanatos e viaturas destruídas sendo usadas como barricadas ao redor da prefeitura. Os tempos eram difíceis. Chan se arrependia de ter mudado de uma cidade calma, portuária, para uma metrópole, a sua mulher também não estava mais tão contente com a mudança de ares.


Quando ele aceitou o trabalho, aceitou com o objetivo de esquecer de si mesmo, esquecer que não estava em suas mãos tornar a própria esposa feliz. Ela nunca o amou, e deixou isso claro durante a lua-de-mel quando revelou que não sentia a menor atração por ele, por homens, que só havia dito sim ao pedido de casamento por não suportar mais viver sob o mesmo teto que os pais conservadores. Chan entendeu, conhecia essa vontade insana de deixar a família para trás, porque fora obrigado a ir até a mansão Kim pedir a mão de Winter em casamento sob jura de morte. Era um homem de trinta e um anos, gay, que havia sido descoberto pelo irmão mais velho dormindo nu, na sala de casa, com o filho do quitandeiro após uma noite de farra e bebedeira.


Passava da meia-noite. Subiu as escadas de madeira tomando cuidado para não fazer tanto barulho, já que há uns meses começaram a ranger por serem velhas demais. Ele tinha olheiras profundas, a pele estava muito pálida, os cabelos escuros e oleosos, o que acentuava ainda mais os círculos arroxeados embaixo de seus olhos. Chan dormia mal.


- Sua mãe nos convidou para uma reunião nesse final de semana. - Disse Winter desanimada ao contar a novidade, ela não queria ter que voltar ao litoral, para aquela cidadezinha cheia de fuxiqueiros, para ser questionada pela própria família e a do marido sobre a possibilidade de netos. Filhos não estavam em seus planos, nem se Chan fosse hetero e quisesse herdeiros. - Não dei uma resposta ainda. O que achas?


- Qual o motivo dessa reunião? - Se largou na poltrona escorada diante da escrivaninha, soltou um bufo disfarçado de risada e tirou as botas que faziam-lhe calos nos dedos mindinhos. - Precisamos trocar o tapete da entrada, tem escrito " EM - VND".


- Ela disse que seu pai vai receber alguns amigos em casa e quer apresentar todos os filhos a eles. - Winter sentou-se no meio da cama, esperando uma resposta de Chan, que não veio. Pelo silêncio, deveria confirmar suas presenças o quanto antes. - Comprarei um tapete novo na feirinha ao lado do cais.


***


O irmão mais velho de Chan, que Winter lembrava perfeitamente por ser um completo imbecil pervertido e sem consideração nenhuma por ninguém, entrou oficialmente para o exército no último ano e havia voltado há poucos dias junto com a tropa sul-coreana do Oriente Médio. Não era surpreendente que homens como ele, de índole duvidosa, se alistassem e retornassem de missões se achando os donos do mundo. Já a irmã mais nova de Chan se casou com um rapaz bem mais velho que ele, tinha trinta e cinco anos nas costas, e estava esperando o terceiro filho. Winter sabia que a cunhada não era realmente apaixonada pelo banqueiro, a própria contou-lhe na última reunião de família que nem sabia mais se possuía a capacidade de amar, que continuava casada porque sua mãe disse que ela não arranjaria um homem melhor, rico e tão bondoso na cidade. Mesmo desanimada, a irmã de Chan tinha o tal brilho da gravidez, que era cobrado de Winter em ocasiões especiais como essas.

Ciúmes e outros casos de amorOnde histórias criam vida. Descubra agora