I06I - Vazio

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Estou caminhando no escuro, perdida no vazio da inconsciência em lago infinito cuja água congelada nada reflete.

Sonho ou pesadelo, não me importo, pois somente aqui posso encontrá-lo. Então, caminho para o vazio, até encontrar uma porta com belos puxadores dourados que reluzem.

Música irrompe do lugar quando empurro a porta e a luz flui. Diante de mim, há um salão de baile, com lustres de cristal no teto e dezenas de pessoas sem rosto dançando em pares.

Ao colocar um pé dentro do salão, posso finalmente ver meu reflexo no piso dourado. Estou vestida a caráter, com luvas brancas e um vestido cor de champanhe.

Nunca usei esse vestido, nunca estive nesse baile.

Segurando as saias do vestido, procuro por Raymond, desviando dos casais que dançam em uma sincronia assustadora.

- Você não deveria estar aqui. - Sua voz me atinge, vindo de trás, parecendo estranha aos meus ouvidos.

Me viro no momento que um casal de dançarinos passa por mim, cobrindo a primeira visão que eu teria dele. Seguro a respiração quando finalmente o vejo. Ele está próximo, perto o suficiente para que eu o tocasse se levantasse a mão, mas me contenho, com medo de congelar no lugar, de ser barrada por uma parede invisível.

- Desculpe. - Digo, deixando minha voz vacilar. - Não sei como sair dessa situação.

A música subitamente termina, os casais somem, apenas nós dois permanecemos.

- Está ferida? - Pergunta, sua voz tão fria quanto um lago congelado.

Balanço a cabeça.

- Não.

- Então por que veio até aqui?

O que eu deveria responder? Porque continuo sonhando com ele? Agarrada a sua imagem como a última esperança de alguém que está prestes a se afogar. Eu não sei. Apenas acontece.

- Acho que fui drogada por uma empregada, ou por... - Não termino a frase, não quero acreditar que Elikham tenha algo a ver com isso.

Em vez de pensar no presente e suas consequências, quero ser egoísta e fazer esse momento de ilusão durar. 

- Podemos dançar? - Pergunto, deixando de lado as inibições que normalmente me prenderiam. - Sabe, nunca tivemos a oportunidade, apesar de eu ter treinado tanto pisando nos pés de Edmon.

Sua expressão continua séria, como se ele realmente estivesse incomodado com minha presença, mas do que nunca quero vê-lo sorrir.

- Não sou real, Aysha. - Diz, me fazendo engolir a seco. 

- Eu sei. Sepultei você, chorei ao lado da sua lápide. - Respondo.

- Vai me contar o que está acontecendo? - Exige.

- Só se dançar comigo.

Estendo minha mão, esperando a sua resposta, permanecendo firme enquanto o encaro, não vou voltar atrás. Só mais um pouco, alguma gota de ilusão.

- Por favor. - Peço.

Vendo que não vou desistir ele estende a mão e a mantém pairando sobre a minha, sem me tocar, sua luva escura contrasta contra a brancura da minha. Não posso deixar de pensar que somos como o dia e a noite, habitando o mesmo céu, sem nunca poderem se encontrar.

A música retoma, suave e lenta, enquanto, apenas com sua presença, ele me guia para o centro do salão. A cada passo que damos, posso ver um casal sem rosto ressurgir como mágica. Ignorando a estranheza de suas existências, posso quase sentir que realmente estamos em um baile. Quase.

Sombrio - Vermelho vol.2Onde histórias criam vida. Descubra agora