Capítulo 03: O invicto

3 0 0
                                    


    A boca entreaberta de Dominic convida a água salgada a penetrar lentamente enquanto oscila entre os movimentos sincronizados de inspiração e expiração, em harmonia com a cadência natural do oceano. O mar, cintilando sob as nuvens negras recém-formadas no céu, abraça o barco agora tombado e fragmentado, dispersando não apenas os mantimentos que flutuam inesperadamente em suas águas atrativas, mas também os destroços de madeira que jazem espalhados pela areia da praia.

    À medida que as pálpebras do rapaz se erguem levemente, permitindo a entrada gradual de luz no ambiente, surge um senso de desorientação no protagonista. Ele transita de uma aventura no alto mar para encontrar-se de maneira imprevista e desolada em uma praia desconhecida. O murmúrio das ondas e o aroma salgado do ar saturam seus sentidos, enquanto a incerteza paira no ar, enraizando-se no cerne de sua experiência abruptamente transformada.

    E, por um breve instante, mesmo que não tenha expressado gratidão verbalmente, a visão de Dominic se desdobra de maneira majestosa, revelando a imagem de uma silhueta peculiar. Apenas então ele percebe os longos fios claramente loiros que dançam no ar, desafiando a tempestade que os envolvia, junto aos olhos magníficos daquela figura. Essa visão age como um novo apagão, transformando sua realidade. Num piscar de olhos, ele não está mais desconfortavelmente encalhado na praia, mas sim deitado em uma cama, coberto por um calor reconfortante.

    A dor latejante em sua cabeça, resultado do impacto, é notável, e as lembranças do incidente começam a clarear. Como ele chegou a colidir, a sequência de eventos se revela nítida em sua mente. O contraste entre a tempestade selvagem e a serenidade repentina da cama envolve Dominic em uma atmosfera enigmática, deixando-o intrigado sobre o que aguarda além do momento presente. No entanto, a dolorosa pulsação em seu corpo não rivaliza com o som penetrante que reverbera pelas paredes sólidas, construídas com pedregulhos perfeitamente encaixados do subsolo da imponente igreja onde Dominic se encontra. Essas paredes parecem mais testemunhas de uma acalorada discussão, culminando com um estrondo de portas suficientemente alto para extinguir algumas velas, mesmo que estas permaneçam invisíveis da cama onde repousa nosso protagonista.

    O murmúrio do vento sibilando por entre as frestas entrega a chegada premeditada de um homem de estatura elevada e robusta. Seu cabelo liso e escuro, combinado com óculos quadrados distintivos, moldam uma face que segue um padrão marcante. A atmosfera carregada e a presença imponente desse homem lançam uma sombra de intriga sobre o estado de Dominic, que agora se vê envolto em uma narrativa ainda mais enigmática e complexa do que antes.

- Onde estou? - As palavras de Dom cortam o ar de foram velozes, é claro, a curiosidade estava envolta em sua frase e isso não era segredo. Qualquer um estaria da mesma maneira.

- Está em Faro, Portugal. - O padre se põe a responder. - Seu nível de inglês é bom, diria que é britânico. - Ele tenta confirmar seus pensamentos em meio a essa pergunta, era inevitável pensar em teorias loucas.

- Portugal? Eu estava tentando ir para a Espanha e havia acabado de embarcar praticamente... Quando o barco se moveu bruscamente e minha cabeça bateu no... – Sua face revelou espanto ao ser confundido com um britânico. - Que? Não! Eu vim das Américas, é bem, bem longe daqui.

- Bom, suas características físicas demonstram os opostos. Que eu saiba, sua aparência é bastante puxada aos Europeus, como dizem. - Comentou desconfiado, o que se concretizou na desconfiança ao escutar o jovem comentar a respeito de vir das Américas. - E como você chegou tão rápido? É inacreditável, levaria semanas, ou melhor, meses para fazer essa viagem... E você chegou inteiro mesmo inconsciente?

    A situação desvelava-se de maneira inescapável: o padre, temeroso de que os segredos ocultos na igreja fossem revelados, crescia em desconfiança em relação ao protagonista, que, por sua vez, encontrava-se em um estado de indignação. No entanto, essa indignação não era direcionada ao padre, mas sim à complexidade da situação. O palco da conversa estava impregnado com uma tensão estranhamente tangível, revelando um sentimento compartilhado entre ambos os lados.

    Dominic estava ciente de que a verdade era um amargo cálice difícil de engolir, mas ele não estava disposto a mentir. Em meio ao silêncio tenso, que pairava como um manto sobre a sala, o padre, em uma análise perspicaz do rosto jovem, que perdurou por alguns segundos, tomou a decisão de retirar-se do lugar. Antes de partir, deixou apenas uma última fala ressoando no ambiente como um eco de despedida, carregada com força.

- Ao amanhecer, pegue as coisas que separamos e deixe a igreja. Gostaria de confiar em você garoto, afinal, é isso que aprendi no livro sagrado. Porém, não é possível estabelecer uma linha boa o bastante para que cá possamos seguir em um laço. Boa sorte.

    A noite fluía com uma serenidade reconfortante, protegendo-os da chuva e, sobretudo, do frio penetrante. Dominic desfrutava do que almejava: uma boa noite de sono. Contudo, o padre subestimara a resiliência do protagonista desta história. Enquanto todos ainda repousavam, Dominic já se encontrava de pé, exibindo uma vitalidade que destoava de alguém recentemente ferido. Durante sua breve arrumação na cama antes de partir, ele se viu vagando pelos corredores subterrâneos da igreja, guiado pelo encontro com a jovem que o descobrira.

    No meio dos corredores, ele depara-se com Madalena, cujo cabelo dourado estava elegantemente preso em um penteado, e suas vestes eram escolhidas estrategicamente para permitir movimentos ágeis. As palavras dela rompem novamente o silêncio, ecoando pelos corredores subterrâneos, dando início a um capítulo renovado e intrigante desta história.

- Me leve com você! Por favor! Eu quero conhecer o mundo. 

O Cântico do GraalOnde histórias criam vida. Descubra agora