Dream a Little Dream of Me

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Os dias se passavam e Lúcifer continuava praticando por horas o trompete, chegava a ser um tanto irritante no começo, ainda mais para quem compartilhava o mesmo corredor, mas ele não se importava, estava se divertindo, e conforme os dias se passavam, ele já estava muito melhor, saindo de aprender as notas básicas para aprender algumas mais complexas e até intros de músicas simples.

Uma coisa que o rei não sabia é que ele, apesar de ser iniciante, tinha um "apreciador secreto", que convenientemente ficava no andar de cima. No caso, esse era Alastor, que mesmo não gostando nem um pouco da presença de Lúcifer, estava admirado com tamanha dedicação do mesmo, coisa que ele não admitiria tão fácil a alguém. O apresso que ele tinha não era por quem tocava, e sim, pelo o que ele tocava. Mesmo iniciante, Alastor percebeu que Lúcifer era ousado, se atrevia a pegar alguns jazz e blues por mais que não saíssem como esperado. No começo, sua melodia era horrorosa de ouvir, mas após seus avanços, tornou-se agradável, o que inspirava Alastor a tocar piano toda vez que o rei parava de praticar, não sabendo se o mesmo também apreciava inocentemente seu talento no piano. Resumindo, ambos se apreciavam em silêncio, porque até então Lúcifer não sabia que seu ídolo do andar de cima era o "paspalho de mal-caráter".

Caminhando pelos corredores em seu tempo livre, Alastor acabou por esbarrar com Lúcifer. Normalmente ele o ignoraria e o outro faria o mesmo, mas ele não pode conter sua vontade de alfinetar.

"Para um iniciante, você não é tão lamentável assim." Falou passando ao lado do rei, soando cínico.

"Vá a merda." Respondeu emburrado, mesmo que estivesse surpreso com o comentário repentino.

"Estou apenas elogiando que suas tentativas não estão sendo um completo fiasco." A essa altura, ambos já se encaravam, Alastor com a expressão sarcástica de sempre e Lúcifer claramente puto.

"Não preciso dos seus elogios. Eles são péssimos."

"Você espera que eu faça o quê? Diga: 'oh, majestade, sua melodia é tão angelical quanto o canto e o violino dos anjos!', não sou um mentiroso." Ele falava de forma teatral, coisa que deixava o rei mais irritadiço.

"Só cale a boca. Eu duvido muito que você esteja participando desse projeto para que ao menos possa opinar sobre o desenvolvimento alheio." Se aproximou do demônio de forma intimidadora. Ou que ele ao menos achava que seria intimidador, seu tamanho não ajudava muito.

"E quem lhe disse que não estou, meu bem? Você com certeza já deve ter me ouvido tocar em algum momento, já que seus ruídos catastróficos ecoam pelo meu quarto que é logo acima." Com uma risada sarcástica, ele fez o rei se calar e amansar a expressão raivosa, já que o mesmo havia se tocado que o piano que tanto gostava de ouvir pertencia àquele desprezível.

"Ah... Não, não ouvi." Lúcifer não deixaria Alastor vencer esta discussão, e muito menos contaria que adorava ouvir o som do piano sendo tocado com maestria, então deu meia volta e entrou em seu quarto.

Alastor se sentiu um pouco decepcionado pela resposta, mas não demonstrou, só deu de ombros e voltou a seguir seu caminho.

Quando ainda estava no corredor de seu dormitório, ele pode ouvir o som abafado do trompete novamente, ele ignoraria o som por conta da pequena conversa mais cedo se dessa vez ele não tivesse reconhecido a música tão bem. Para o azar de Alastor, jazz era sua maior fraqueza, então ele cantarolou a letra da musica para si mesmo, apesar de saber que Lúcifer tocara a versão instrumental. Assim que entrou dentro de seu dormitório, fechou os olhos e apreciou a música, sentindo seu corpo se arrepiar.

O rei praticava tanto que à essa altura, ele já estava tirando músicas mais longas. Alastor não pode se conter e logo sentou-se em seu piano, começando a tocar e cantar junto. Ele não fazia alto, pois sua intenção não era agradar o rei, e sim, agradar seus próprios ouvidos com os dois instrumentos entrando em conjunto, mas inevitavelmente, não só Lúcifer, como alguns outros residentes, puderam ouvir a harmonia dos dois. Charlie e Husk foram uma dessas pessoas, e Charlie ficou extremamente empolgada achando que os dois não só tinham se unido como provavelmente tocariam juntos no final do mês.

Lúcifer ficou tão encantado de como o som estava saindo que ele começou a tocar um pouco mais alto e com mais vigor, e seu rival, fez o mesmo. A voz de Alastor soava muito bem na música, ele cantava a parte feminina, mas quando chegava na voz masculina, Lúcifer se pôs a cantar, já que o mesmo cara que cantava, era quem tocava o trompete da música, então era de fato como se os dois fossem Louis Armstrong e Ella Fitzgerald juntos. Dream a Little Dream of Me, um clássico do jazz antigo. As pessoas que circulavam pelo hotel paravam para ouvir os dois tocando juntos, pois ambos tocavam com tanta vontade que era impossível não ouvir.

Dias se passavam e ambos continuavam a tocar música juntos, mas sem realmente se falarem. Em quartos separados, eram uma dupla infalível, mas fora dele, continuavam a se ignorar ou jogar algumas farpas que já nem pareciam muito ofensivas, mas sim, como se fossem dois amigos implicando um com o outro.

Em certo encontro deles dois pelos corredores, dessa vez quem decidiu provocar fora Lúcifer, que deu um sorriso sarcástico ao ver a aproximação do outro.

"O amador vai continuar mentindo sobre na verdade ser meu fã ou vai finalmente admitir sua admiração?" Isso tirou uma risada sincera do outro. A risada não era de deboche, o que impressionou Lúcifer.

"Para sua sorte, eu sou obcecado por música boa, apesar de você não tocar tão bem assim. Entretanto, tocar sozinho não é tão divertido, então eu facilmente aceitaria um convite amigável para compartilharmos... Talentos. Ou sei lá como você chama suas tentativas falhas de tocar trompete." A expressão do rei já não era mais sárcastica, e sim, genuinamente surpresa. Parte dele achava que era uma pegadinha, uma piada, mas a outra via sinceridade em suas palavras.

"Bem, meu quarto está sempre vazio, e acho que sua presença apenas para tocarmos não seria tão desagradável. Só não abra muito a boca, senão me arrependerei das minhas ações." Então o acordo estava feito. Era estranho esse sentimento de "bandeira branca" que sentiram.

"Seria mais inteligente se você viesse até meu quarto, já que o piano é mais difícil de transportar. Se for do seu alcance, apareça em meu quarto por volta das seis da tarde, eu estarei totalmente livre." O rei não respondeu, apenas concordou com a cabeça, ainda surpreso, então observou o cervo seguir seu caminho e desaparecer pelos corredores.

"Com certeza ele vai tentar me matar." Sussurrou para si mesmo.




Nota: Só para constar, eu sei que canonicamente o quarto do Alastor e do Lúcifer ficam nas extremidades do hotel, mas eu mudei isso para dar um contexto melhor. :)

Oh Al, amore.Onde histórias criam vida. Descubra agora