Capítulo Sete - O Peso de Uma Coroa Parte - I

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Reino de Rezzo

Khalista olhava para a floresta Kalykor procurando qualquer sinal de alguém saindo dela. Estava na frente do portão dos fundos do castelo secundário. Ela estava nervosa, Lydia estava demorando muito. Ela tinha saído no meio da manhã e agora era noite. Koa também estava um pouco impaciente, não parava de abanar sua cauda vermelha de maneira frenética.
O som de passos se fez presente diante do silêncio que estava no local. Khalista avistou duas pessoas se aproximando, o menor deles carregava algo nas costas. A pequena raposa avançou em direção à sua amiga humana, chegou até ela e começou a olhar toda parte do corpo de Lydia, procurando algum ferimento na pequena rainha. Acabou encontrando um corte congelado na parte esquerda da barriga dela. Koa rosnou em desgosto por ela estar machucada. Julius, que estava ao lado da rainha, assustou-se com o forte rosnado do pequeno animal.
— Pare, Koa... — A voz de Lydia saiu arrastada, o raposa notando a tristeza da humana parou de ameaçar o humano macho, mas seguiu caminhando do seu lado a todo momento. Khalista se aproximou dos três com pressa e entendeu o que tinha nas costas da sua pequena, o corpo coberto por uma manta para cobrir a nudez de uma garota morta, o corpo de Yasmim Kenys.
— Khalista... pode levar Julius para o médico real?
— Não vou deixar você...
— Por favor... — O pedido de Lydia saiu como um sussurro.
— Lydia...
— Por favor! — exclamou com a voz trêmula.
A mais velha encarou a sua pupila, notou que seus olhos não pareciam mais um oceano azul brilhante pela luz do sol, agora eram muito semelhantes a um lago profundo e escuro.
Qualquer um que olhasse para a jovem rainha, a expressão de Lydia era triste, uma profunda tristeza e isso preocupava Khalista, mas no momento não conseguiria negar alguma coisa, após ouvir a voz quebrada de Lydia.
— Está bem, — falou após um longo suspiro, olhou para a raposa. — Koa, cuide dela.
A raposa, entendendo o pedido, acenou positivamente com sua cabeça peluda. A mais velha então deixou de olhar para a mais nova e deu atenção ao homem calado ao lado da Lydia. A primeira coisa que notou nele foi que ele não tinha um braço, o mesmo tremia um pouco pelo frio que ainda sentia.
— Precisa de ajuda para andar? — Ofereceu a conselheira.
— Eu posso andar sozinho... — A voz rouca e melancólica de Julius podia transmitir uma dor profunda, seus olhos castanhos encontraram o chão, o mesmo seguiu sua rainha por pedido da mesma.
— Está bem, me siga.
Os guardas abriram os grandes portões de ferro, dando passagem para Khalista passar e logo mais Julius. Os dois foram ao castelo principal para tratar os ferimentos dele, Lydia se dirigiu na direção contrária.
Ela caminhou com o corpo gelado de Yasmim nas costas, nunca odiou tanto o frio como agora.
Somente ela deveria ser gelada, não os outros. Durante todo o caminho, ficou com a cabeça abaixada, observando seus pés se moverem no automático, e também conseguia ver a figura peluda ao seu lado a todo momento.
Quando viu uma grande sombra, levantou sua cabeça e avistou o seu destino naquele momento: a torre de sepultamento real.
Ela era alta e estreita, possuía um acabamento antigo, como sempre tinham os sacerdotes na torre, seja para mantê-la limpa ou rezar para os mortos.
Alguns deles que estavam do lado de fora a viram, foram logo em seu encontro para ajudá-la, chegando próximo olharam para falecida em suas costas. Com cuidado, a tiraram de cima da jovem rainha; um sacerdote pegou Yasmim nos braços com cuidado para não revelar sua nudez, outro a cobriu com mais um manto ,que estava usando, para esconder seu corpo frágil.
— Levem-na para a sala de sepultamento, por favor. — Os sacerdotes ali presentes obedeceram à sua ordem. O que estava segundo a menina e um acompanhante foram fazer o que foi pedido, os outros aos poucos foram se retirando.
— Pode pedir para chamarem a família Kenys? — Pediu para o um sacerdote que tinha permanecido ao seu lado.
— Como desejar, minha rainha. — O homem se curvou levemente se retirando.
— Rainha... — Não passou de um sussurro para si mesma, mas isso não passou despercebido de Koa.
A pequena raposa ficou sobre suas duas patas traseiras, as dianteiras usou para se apoiar na perna de Lydia, tocou na mão da mesma com o seu focinho úmido de maneira carinhosa. A humana olhou para o seu amigo, podia notar em seus olhinhos castanhos avermelhados, preocupação.
Com um pouco de dificuldade, Lydia conseguiu pegar a raposa no colo, caminhou para dentro da torre, deu alguns passos em direção aos bancos que ficavam ali para as pessoas se sentarem e prestarem homenagem aos membros da realeza já falecidos ou deuses e primordiais.
Quando se sentou, conseguiu acomodar melhor a raposa em seu colo e, assim, pôde abraçar com força Koa e esconder seu rosto em na pelagem macia.
— Koa... acho que não mereço ser uma rainha. — A voz trêmula dela fazia o coração do animal doer.
— Eu sempre tentei levar as coisas de forma fluída e pacífica, sem precisar punir alguém ou usar os meus poderes para isso... mas o que eu vi nessa tarde — Lydia deu um longo suspiro para conseguir falar sem desabar, pelo menos ainda não — O próprio pai dela, ele... ele... ele a estuprou e a torturou, que tipo de pai faz isso?! — Exclamou tão alto que fez um grande eco na torre.
Ela se levantou do banco e começou a caminhar pelo salão principal da torre, Koa pulou para o chão no momento em que ela se levantou.
A respiração de Lydia estava ficando cada vez mais desregulada à medida que continuava a caminhar; seus passos começaram a marcar o chão de pedra escura, com uma pegada congelante que estava se espalhando pelos cantos. Assim como na cabana, os olhos dela ficaram totalmente brancos, quase transparentes, e as pontas de seus dedos começaram a se auto congelar. Em seu rosto, estavam se criando rachaduras esbranquiçadas, parecia que ela estava se quebrando. Duas mãos seguraram o rosto de Lydia com cuidado para não machucá-la. Khalista se encontrava olhando para a jovem mulher com preocupação; ela nunca tinha ficado desse jeito, tão alheia aos seus poderes. Todo o chão já tinha virado praticamente gelo sólido; esse mesmo gelo estava subindo pelas paredes de pedra, indo até os outros andares e se espalhando por toda a torre, chegando até a congelar alguns sacerdotes. Os outros tentavam fugir, mas não conseguiam; estava se espalhando muito rápido, quase alcançando o teto.
A loira olhou em volta e avistou Koa já consumido pelo gelo, retornou a olhar para uma Lydia fora de si.
— Lydia, precisa se acalmar!
— Eu-eu não consigo. — A voz da morena estava ofegante, como se estivesse tentando puxar oxigênio para seus pulmões e falhando no processo.
— Lydia! — A preocupação da loira era evidente em sua voz.
— Nã-não consigo respirar. — Lydia podia jurar que seus pulmões estavam congelando assim como suas mãos.
Khalista, vendo o estado da mais nova, se aproximou ainda mais dela, envolvendo-a em seus braços, dando-lhe um abraço protetor e apertado. A cabeça da jovem repousava no peito da mais velha, o calor do corpo de sua mestra era tão quente e aconchegante. De alguma forma, Khalista sempre foi quente, mas parecia que a temperatura dela tinha aumentado para conseguir conter o gelo de Lydia.
— Não tinha nada que você pudesse fazer. — Khalista baixou o tom de voz para se referir ao acontecimento trágico.
— Se eu tivesse cumprido com o meu papel de rainha, poderia ter evitado isso. — Lágrimas enchiam os olhos esbranquiçados, que logo escorriam pelas bochechas geladas.
— Como?
— Eu sou a rainha de Rezzo, deveria reinar durante o dia e à noite ser a protetora do povo, mas eu não fui nem rainha e nem protetora. — A mesma enterrou seu rosto no peito da mais velha para tentar esconder sua vergonha — Assuntos importantes eu sempre deixo para você resolver, como o compromisso de ontem em que estava ocupada quando lhe chamei e sobre receber as mercadorias.
— Odeio lutar, odeio ter poderes que não controlo, odeio machucar os outros, e há poucas horas atrás eu arranquei o braço de um inocente! Tudo por fazer uma conclusão precipitada!
— Eu olhei nos olhos do verdadeiro culpado, o abracei e disse que traria sua vítima de volta para si! Me sinto suja só de pensar nisso, fico enojada de mim mesma. — O rosto de Lydia estava banhado em lágrimas, as quais molhavam o corpete da mais velha; soluços atrapalhavam a sua fala, seus olhos estavam voltando ao azul esbranquiçado natural.
Khalista ouvia tudo com atenção, para poder entender a jovem; sua expressão estava indecifrável.
— As outras rainhas governam seus reinos tão bem, não possuem medo de usar seus poderes para proteger ou punir, elas ficam noites e noites cuidando dos seus povos... eu não sou assim, não sei lutar direito, tenho medo dos meus poderes e nos assuntos reais não tenho conhecimento para pensar em soluções que podem favorecer o reino, como você. — Lydia se afastou rapidamente de sua conselheira, virando de costas para ela, mesmo ainda desejando estar nos braços protetores da mulher. Mesmo não querendo desabafar, precisava com alguém, quem a entendesse com somente um olhar, Khalista era essa alguém, seu porto seguro.
— Lydia...
— Posso não ter completamente toda a culpa, mas tenho uma parcela dela.
— Eu não me sinto digna de ser a rainha de Rezzo. — A monarca então se virou para encarar sua mestra. A jovem sorriu triste enquanto mais lágrimas escorriam pelas suas bochechas, as rachaduras em sua face foram desaparecendo aos poucos, seus dedos voltaram ao tom rosado pálido, o tom de seus olhos se destacava diante do vermelho ao seu redor, por conta do choro.
Seus pulmões doíam como se ainda estivessem congelados. Seu ferimento na barriga tinha se aberto novamente e escorria uma fina linha escarlate em suas roupas. Algo que não passou despercebido por Khalista.
— Você assumiu uma responsabilidade quando tinha somente quatorze anos, não teve o preparo e treinamento como as outras. — A voz de sua mestra parecia como um sopro de brisa aos ouvidos da mais nova.
A conselheira lançou um pequeno sorriso triste com seus lábios grossos e bem desenhados, seus olhos verdes pareciam duas esmeraldas, os mesmos transpareciam tristeza, infelizmente.
— Ninguém culpa ou julga você, Lydia.
— O povo de Rezzo admira a sua coragem e determinação. Eles admiram que uma pequena menina, entrando em sua juventude, teve que carregar o peso de uma coroa na cabeça e em seus ombros o peso da vida deles. — Cada palavra que saía da boca da mais velha era como uma flechada no coração de Lydia, esta que estava com os olhos fechados ouvindo cada palavra, mexia os seus dedos nervosamente. — Você vai aprender sobre os assuntos políticos, as estratégias e irá criar suas próprias e sobre os assuntos que eu cuido... também aprenderá a como lidar com eles.
— Tenha calma, você é jovem, mas com o passar do tempo vai conseguir lidar com tudo isso, mesmo sendo difícil, ainda mais no começo. — O tom suave da voz dela parecia uma melodia que acalmou o coração da morena, de certa forma.
A conselheira queria tentar acalmar a morena para conseguirem conversar sobre o que houve. Infelizmente, esses acontecimentos não têm como serem previstos, ainda mais por quem deveria proteger. Ela queria transparecer que compreendia a dor de Lydia. Afinal, a jovem vivia sob a proteção da rainha do gelo, e quando isso aconteceu, a monarca sentiu que não cumpriu com o seu dever de proteger seu povo. A mesma ainda era nova, mas não conseguia ver as maldades do mundo, só tinha 16 anos. Khalista achava que Lydia era pura demais para esse mundo tão malévolo.
— Mas Khalista...
As palavras sumiram da boca de Lydia quando a mesma desviou o olhar e avistou o terror que tinha feito, estava tudo congelado, desde o chão até o teto, estavam cobertos por uma camada esbranquiçada quase transparente, os móveis se encontram do mesmo jeito e... Koa!
A pequena raposa tinha virado uma estátua de gelo, pois tinha se encolhido para tentar se aquecer, mas o gelo alcançou o pobrezinho, transformando-o em uma bolinha congelada. Lydia correu em direção ao seu pequenino.
— Koa! — A jovem rainha se jogou ao lado da estátua, ficou de joelhos, colocou as mãos no gelo tentando desesperadamente desfazê-lo, mas não conseguia, pois não estava concentrada o suficiente para fazer isso. Lágrimas já banham novamente o seu rosto, quando sentiu uma mão quente em seu ombro direito.
— Calma, eu posso ajudar com isso.
Khalista se abaixou para ficar da altura da morena, levou suas duas mãos para o pequeno corpo do animal. Assim que tocou o gelo, ele começou a se transformar em sua forma líquida de maneira acelerada. Não demorou muito para a mais velha já conseguir sentir o pelo úmido em suas palmas.
O focinho preto se movimenta freneticamente em busca de ar para encher seus pulmões, abriu os brilhantes olhos castanhos quentes, olhando para os lados e vendo tudo congelado e as duas mulheres, que conhecia tão bem. Com rapidez, foi para o colo da mais velha para se aquecer depois daquele congelamento. O mesmo se aconchegou nos braços da loira que estava quentinha.
— Ele quer se aquecer. — Khalista deduziu isso, pois a raposa tentava se esquentar com o forte calor que a mesma emanava.
— Eu não posso fazer isso, não posso esquentá-lo. — Lydia murmura cabisbaixa. Khalista olha para ela com pena, pela mesma se sentir dessa forma, inútil.
Koa, parecendo ter entendido o que estava acontecendo, saiu dos braços quentes da loira e se colocou na frente da morena triste. Com cuidado, subiu nas pernas dobradas dela e remexeu sua cabeça pedindo carinho. Lydia estaria mentindo se dissesse que aquilo não fez seu coração, pela segunda vez, ficar aquecido — em todos os seus dezesseis anos de vida, ouviu somente duas vezes que sentiu calor em seu peito que transbordar pelos seus ossos — a mesma o abraçou com força, tanto para aquecê-lo quanto para trazer algum conforto dentro de si. A conselheira observava a cena agora com carinho no olhar.
Sons de passos se aproximando puderam ser ouvidos pelos três. Ao se virarem para a porta do local, puderam ver um soldado tremendo de frio, por conta do ambiente congelante.
— Senhoras, eu convoquei a família Kenys, como foi ordenado, eles estarão aqui no máximo em uma hora. — A fala do soldado saiu meio trêmula, pois seus dentes não paravam de bater uns nos outros. Khalista olhou preocupada para sua pupila.
— Eu posso cuidar disso...
— Não! Eu preciso começar a fazer as partes difíceis do meu trabalho. — Lydia a interrompeu, a mesma mordia o lábio inferior para tentar se acalmar.
A monarca se levantou do chão com um pouco de dificuldade, pois ainda estava com a raposa no colo, o canino que deitou sua cabeça no ombro da morena. A mais velha seguiu os movimentos dela e se levantou, mesmo não querendo ver a jovem ainda mais quebrada, não a impediria de falar com a família de Yasmim.
— A torre, co-como vão descongelá-la? — O soldado pergunta sentindo seus dentes baterem entre si.
Lydia parou seus movimentos, lembrando desse detalhe importante, virando seus calcanhares para olhar para dentro do local. Ela fechou os olhos e respirou fundo, recordando o calor amoroso que sentiu em seu peito. Quando abriu os olhos, estavam transparentes como antes. Para conseguir derreter todo esse gelo sem prejudicar ninguém, teria que usar a língua antiga.
Kazure-mi — Sua voz ecoou por toda a torre, como uma ordem. Ordem que o gelo obedeceu segundos após a palavra derreter-se.
Alguns instantes foram o bastante para a torre voltar ao normal, sem gelo e sem água. As pessoas congeladas também voltaram ao seu estado natural sem complicações.
Fechou seus olhos novamente; quando os abriu, estavam normais. Ela soltou um suspiro de dor, seu ferimento tinha reaberto e estava ardendo. Precisaria fazer um curativo em seu machucado quando chegasse ao seu quarto.
A governante então se dirigiu à porta do local, com a sombra de sua conselheira sempre próxima a si. Mesmo odiando ter que falar para uma mãe as atrocidades que o marido fez com a filha, seu peito doía somente em imaginar. Não queria ter que vivenciar esse momento, mas não poderia fugir daquilo. Era sua responsabilidade.

As Monarcas Parte - IOnde histórias criam vida. Descubra agora