O Vale da sombra
FINDA A PRIMEIRA DOR, a família aceitou o inevitável e tentou enfrentá-lo com alegria, ajudando-se uns aos outros com a crescente afeição que vem estreitar carinhosamente os laços das famílias em momentos de dificuldade. Todos afastaram a dor, e cada qual fez sua parte para tornar aquele último ano da vida de Beth um ano feliz.
O cômodo mais agradável da casa foi reservado para ela, e nele foi reunido tudo o que mais amava: flores, quadros, o piano, a mesinha de costura e os adorados gatinhos. Os melhores livros do pai ali encontraram lugar, bem como a poltrona da mãe, a escrivaninha de Jo, os mais adoráveis desenhos de Amy; e, todos os dias, Meg trazia seus filhinhos em uma peregrinação amorosa para alegrar a titia
Beth.A velha Hannah mostrava-se incansável no preparo de deliciosos pratos, com o intuito de despertar um apetite caprichoso, chorando enquanto trabalhava; e, do outro lado do mar, vinham pequenos presentes e cartas alegres, que pareciam trazer lufadas de calor e perfumes de terras onde o inverno era ignorado.
Ali, tratada com os mimos de um santo num altar doméstico, ficava Beth, tranquila e ocupada como de costume; pois nada era capaz de desviar-lhe a natureza doce e desprendida; e mesmo enquanto se preparava para deixar a vida, tentava torná-la mais feliz para os que ficavam para trás.
Os dedos fracos jamais se encontravam ociosos, e um de seus prazeres era realizar singelezas para as crianças da escola que passavam diariamente de lá para cá. Jogar luvas de frio pela janela para um par de mãozinhas roxas, uma cartela de agulhas para a mãezinha de muitos bonecos, limpa-penas para jovens copistas em dura faina através de florestas de arabescos, álbuns de recortes para olhos apaixonados por imagens, e toda sorte de objetos agradáveis, até que os relutantes escaladores da montanha do aprendizado encontraram seu caminho coberto de flores, por assim dizer, e vieram a pensar na moça gentil como uma espécie de fada madrinha que, do alto, derramava presentes milagrosamente adequados a seus gostos e necessidades.
Se Beth queria alguma recompensa, encontrou nos rostinhos brilhantes sempre voltados à
janela, com acenos e sorrisos, e nas cartinhas engraçadas que lhe chegavam, cheias de borrões e gratidão.Os primeiros meses foram muito felizes, e Beth costumava olhar ao redor e dizer “Que lindo!”, enquanto todos se reuniam em seu quarto ensolarado, com os bebês no chão entre chutes e balbucios, a mãe e as irmãs próximas, empenhadas na costura, e o pai lendo, com sua voz agradável, dos sábios livros antigos que pareciam ricos em boas palavras de conforto, pertinentes hoje como há séculos, quando
foram escritas – uma pequena capela, onde um pastor paternal ensinava a seu rebanho as difíceis lições que todos devem aprender,
tentando mostrar-lhes que a esperança pode trazer conforto ao amor e a fé tornar a resignação possível.Sermões simples, que calavam fundo nas almas dos que os ouviam, pois o coração do pai se fazia presente na religião do ministro, e os frequentes vacilos na voz imprimiam uma dupla eloquência nas palavras que ele falava ou lia.
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Little Women - Louisa May Alcott (1868)
RomanceEm Little Women, conta-se a história de quatro irmãs Meg, Jo, Beth e Amy March, que enfrentam seu primeiro Natal sem o pai, que serve na Guerra Civil. É o marco inicial da jornada de formação das quatro garotas, e neste livro as acompanhará nesse pr...