Capítulo Sete

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Naquela terça-feira, a chuva resolveu cair como se não tivesse chovido o ano inteiro.

Os raios que acendiam o céu e as gotas de chuva que ferozmente batiam no vidro do seu consultório, a fazia sentir arrepios.
Não podia negar, morria de medo de tempestades e aquela, que fazia o céu parecer noite devido às nuvens cinzas, era exatamente o tipo que acabava com seu emocional.

Ainda tinha alguns ajustes para realizar nos laudos dos pacientes que atendeu naquele dia, mas ficar sozinha no cômodo não iria ajudá-la. Com isso, resolveu pegar alguns dos arquivos e levá-los para algum lugar onde perceberia menos a chuva.

Enganar o cérebro, parecia uma boa ideia para que não surtasse.

Passando pelos corredores, olhava todas as salas disponíveis para conferir qual estaria mais confortável para o seu objetivo. Mas a maior parte delas, tinham grandes janelas para entrada de luz, e podia ver, mesmo por debaixo das portas ainda não abertas, o clarão dos raios que cortavam o céu.

Enquanto ainda procurava, notou a sala de música com a porta aberta e o som de piano saindo por ela. Estranhou o horário, pois às terças a sala era usada apenas até o almoço, então continuou andando para matar a curiosidade sobre a origem daquele som tão afinado.

Quando chegou à porta, notou que as únicas luzes que iluminavam o ambiente eram a que entrava por ela e a luz natural, fraca, que passava pelas janelas. O ambiente parcialmente escuro, dificultou na hora de reconhecer quem tocava.

Entretanto, assim que a visão se acostumou com a luminosidade baixa, os cabelos negros e compridos até a altura da nuca, tão característico, não deixaram duvida.

Assim como o medo pela chuva, não podia negar que o estilo do cabelo do rapaz emoldurava perfeitamente seu rosto.

"Uma pena ter feito o que fez. Caso contrário, poderia ser até modelo.", pensava enquanto via o rosto concentrado do rapaz tocando a melodia, quase hipnotizada.

Ainda estaria olhando, não fosse o ato do rapaz que, percebendo a presença de alguém devido a sombra evidenciada em sua chegada, finalizou a última nota virando levemente o pescoço para trás dos ombros, direcionando o olhar a seu espectador.

A realidade é que ele já sabia quem era, antes mesmo de olhar.

Há algumas semanas com contato com sua doutora, devido a boa memória, já conseguia reconhecer seu perfume frutado e fresco, na medida certa, de longe. Mas mesmo assim, estranhou sua presença e chamou sua atenção.

- Consulta extra?

Yunah não conseguiu evitar o pequeno pulo de surpresa, com o contato repentino, devido à concentração anterior.

- Dessa vez, não. - Ajeitou a postura e pastas na mão, ficando mais atenta. - Me desculpa por espiar; não sabia que estava aqui, apenas segui o som. Estava procuran... - Sua fala foi interrompida por um trovão, o qual ela podia jurar ter balançado as estruturas das janelas de vidro. Seu susto e mãos formadas em punho após ficarem trêmulas com o barulho e clarão, não passaram despercebidas pelos olhos de Yoongi.

Apesar de ter tentado disfarçar, Yoongi sabia bem o que era medo.

Poderia descrever cada reação do corpo com esse sentimento passando pelas veias. Era isso tudo o que ele sentiu quando se viu sozinho no hospital - na vida - e via todas as noites pós pesadelos. Era quase um especialista.

Também era esperto o bastante para conseguir assimilar o ato da mulher a sua frente, com o estrondo do temporal do lado de fora.

- Espiar é feio. - Se virou novamente para o piano. - Sabe que eu poderia te denunciar? Acho que essa perseguição configura assédio. - A indignação de Yunah, com a fala do rapaz, logo tomou o lugar do susto. Como ele poderia dizer que era perseguição após explicar que não sabia que era o rapaz? - E não precisa disfarçar, se quer aumentar o número de consultas para me ter por perto, é só avisar, doutora. Começo a arremessar arroz no teto e falar com os móveis e rapidinho me arrumam uma sessão por dia. - Ouviu a médica respirar fundo e não conseguiu esconder o sorriso de satisfação, afinal, havia conseguido seu objetivo de distraí-la.

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