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No elevador, Amelia estava de braços cruzados, um suspiro atrás do outro. Liam estava na frente dela, como proteção. Ele cuidava dela como se fosse sua, mas sabia que Amelia só poderia ser dela mesma. Quando ele pressionou o botão do térreo, as portas se fecharam e ele pode sentir o cheiro doce da garota. Sabia qual perfume ela usava, mas sabia também como ele complementava o aroma natural de sua pele. Era como se entrasse em um campo de morangos. Aquele era seu detalhe favorito nela e o que quase sempre fazia ser difícil manter seus sentimentos por ela guardados em seu peito. Toda a vez que a fragrância frutada invadia sua mente ele sentia vontade de abraçá-la o mais forte que conseguia. Segurar essas vontades era o maior desafio do dia a dia de Liam.

Ele era alguns anos mais novo que Amelia e tinha sido recrutado quando foi pego tentando hackear os servidores do site do hotel que servia de fachada para todo o esquema de Gary. Uma equipe massiva que foi capaz de descobrir sua localização, apesar de não ter sido fácil, Quando ele foi levado até a base da família, o chefe ficou encantado com as habilidades do jovem e se sentiu obrigado a convidá-lo para ser seu subordinado. Apesar de já imaginar o que se passava naquele lugar, Liam não teve muita dificuldade para tomar sua decisão. Dois motivos estavam claros em sua mente: o dinheiro; e uma jovem, de olhos assimétricos, um azul e um castanho, pele branca como um tela pronta para ser pintada, o rosto delicado emoldurado por longos cabelos pretos e os lábios inchados, pintados de sangue, sequela de um soco que havia levado de um treinamento.

Os dois se viram pela primeira vez em um corredor. Amelia andava de cabeça levantada, apesar de estar mancando. Era alta, com o corpo coberto por uma calça larga de moletom cinza, manchada de vermelho naquele momento, e um top escuro, que mostrava os cortes em sua barriga. As mãos estavam cobertas de ataduras, tinham rastros de que haviam machucado muitos rostos. O cabelo estava grudado pelo suor próximo as orelhas, pra ele, foi um charme. A visão dela era de um garoto que tentava ser homem, sendo carregado por homens de terno enquanto suas mãos estavam atadas com lacres plásticos. O cabelo era castanho escuro, curto, parecia ter saído do barbeiro naquela manhã. O olhar era azul acinzentado, mas em um momento em que os raios do pôr do sol bateram nele, ela jurou que eles eram verdes. A boca era pequena, mas com lábios cheios. Estavam machucados como os seus, mas ele também acompanhava um nariz bem debilitado, se ela tivesse que apostar, diria que estava quebrado. Ela viu que ele estava com dor, era claro. Seu maxilar bem definido estava tenso e em alguns segundos ele mostrava os dentes, o que deixava a linha do queixo mais fino bem acentuada. Mas Liam tinha uma expressão firme, séria. Não reclamava. A força dele a deixou com uma sensação de estar com um igual. Ele não tinha medo, apesar de saber que poderia estar caminhando para sua morte. Tinha passos rígidos, fazendo a barra da calça jeans escura que usava bater contra seu tênis. Os músculos não chamativos, mas definidos, estavam à mostra pela camisa rasgada que pendia quase na altura da cintura.

No momento que passaram um pelo outro, seus olhos se encontraram. A admiração que ambos sentiram naquele momento fez com que o ar ao redor deles ficasse estático. Liam poderia jurar que levou um choque quando se cruzaram, mas o que causou essa sensação nele foi o sorriso, o minúsculo sorriso de canto de boca, que Amelia riscou em seu rosto. Ele não sabia se ela estava rindo da cara dele, se havia sido uma saudação ou se era apenas imaginação dele depois de ter apanhado. Mas naquele momento, aquela face foi tatuada em seu coração e ele nem imaginava que seria para sempre.

Durante seu treinamento, Liam se esforçou todos os dias para ficar ao lado dela. Inicialmente, ela o achava irritante. Quando se era aceito pela família, um longo período como recruta começava. Eram mais de 80 jovens convivendo em um alojamento e passavam o dia todo aprendendo e treinando luta, pontaria e uso de armas brancas. Revistas periódicas aconteciam com frequência e qualquer recruta pego com drogas era imediatamente expulso. Obviamente, essa pessoa seria vigiada pelos próximos anos, mas era uma regra que funcionava.

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