𝕀𝕏

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A infância de Amelia foi resumida a ser provocada por Ethan, chorar de raiva e bater nele. E ele também chorava. De dor e humilhação. Já não bastava ser o menor da turma, ainda apanhava de uma garota 3 anos mais nova. Enquanto os outros iam amadurecendo, a dupla continuava brigando. Ela ainda lembrava de sua amiga Abby falando que meninos eram assim quando gostavam de uma menina e que se ele realmente a odiasse, não iria mais incomodá-la depois das primeiras surras. Mas ela o odiava. Guardava rancor de cada vez que ele a chamou de aberração. E sempre o ofendia de "tampinha" durante as sessões de punição física.

As memórias do último verão que o viu ainda estavam frescas na mente de Amy. Ela sabia, pelas fofocas do bairro, que ele também não tinha sua mãe há alguns anos. À noite, às vezes, ela conseguia ouvir os gritos que vinham da casa de Ethan. O pai dele era o completo oposto do seu. Chegava bêbado em casa todas as noites e descontava no filho. Para ele, o jovem era culpado pela morte de sua esposa e por isso se achava no direito de abusar do seu poder. Ele era muito pequeno para revidar os ataques do homem que era muito maior que ele.

Era uma noite fresca, o dia havia sido ensolarado e quente, mas agora o clima virava. As nuvens ondulavam pelo céu, ofuscando os raios brancos de luz da lua que deixava de ser cheia. A garota saiu de casa para respirar, precisava se afastar de seu pai, que agora falava sobre casar com uma mulher que ele mal conhecia. Ela era feliz daquela forma, por que ele queria trazer outra pessoa para a casa deles? Outra família?! Ela não era o suficiente? O argumento era de que logo ela iria precisar de uma mãe que soubesse como a ajudá-la e seria bom ter irmãos mais velhos para protegê-la. Mas ela discordava. Já tinha conhecido Nellie, e a odiou. Uma mulher dois anos mais velha que seu pai, de cabelos curtos e castanhos. Usava vestidos chiques que mostravam como seu corpo havia se recuperado depois de duas gravidezes. Sua boca e nariz deixavam claro que já tinha passado por alguns procedimentos estéticos. E o decote gritava por atenção ao peito artificialmente moldado. O que ela mais odiava, porém, era a forma como sua boca se esticava quando ela fala seu nome como se fossem amigas há anos. Toda a vez que sua voz estridente a chamava, ela sentia em seu âmago que era um demônio a chamando. Matthew, entretanto, achava que era apenas ciúmes e que logo as duas se acertariam. Afinal, Nellie era uma mulher incrível.

Amelia estava sentada no meio fio, com um pijama composto por um short e uma camisa de botões, feitos de um tecido rosa com coelhinhos bordados em branco. Os pés descalços sentiam o asfalto enquanto ela abraçava seus joelhos. O vento era quente, trazia uma tempestade. Mas ela sabia que aquela não seria a única tempestade chegando. Seus pensamentos só foram desviados de sua ansiedade quando ouviu gritos que vinham do outro lado da rua. Não conseguia compreendê-los, embora tentasse. A entrada da calçada da casa da esquina foi iluminada pela luz amarela que vinha de dentro quando a porta foi aberta. E de lá, Ethan saiu. Ela conseguiu ver seu olho esquerdo roxo logo antes de suas mãos puxarem o capuz do agasalho vermelho.

Seus olhares se encontraram e ela rapidamente desviou, focando de volta no chão. Ethan suspirou, um pouco envergonhado. Não esperava que ela estivesse ali, muito menos que tivesse visto seu rosto daquela forma. Ele caminhou vagarosamente até que seus tênis pretos ficassem no campo de visão de Amelia.

— Será que pode não me bater hoje? — a voz dele estava um pouco rouca, como a de alguém que ficou horas falando, ou berrando, sem parar.

— Se não me incomodar...— respondeu, encolhendo os ombros.

Ele se agachou e sentou ao lado dela.

— O que está fazendo fora de casa uma hora dessas?

— Eu poderia perguntar o mesmo para você. — bufou. Ele estava estranhamente menos babaca do que o de costume.

Black HeartOnde histórias criam vida. Descubra agora