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VINNIE HACKER

Em menos de dois meses, nós já estávamos casados. Compramos uma casa no centro da cidade e mobiliamos tudo juntos. Becky estava extremamente feliz e eu era feliz por vê-la tão bem. Era bom ser o motivo do sorriso de alguém de novo.

Escolhemos passar nossa lua de mel num cruzeiro por 15 dias. Compramos as passagens para uma das melhores suítes de casal do navio.

Becky parecia encantada, correndo por todo o cruzeiro enquanto segurava em minha mão. Ela queria realizar todas as atividades possíveis que eram oferecidas.

E nós fizemos de tudo juntos. Tirei fotos dela na piscina, gravamos vídeos fofos juntos, jogamos sinuca, passeamos pelo cassino, assistimos às apresentações da tarde, e à noite fomos jantar no restaurante do navio.

— Você está maravilhosamente linda. — a elogiei.

— Tudo por você, meu amor. — sorriu para mim.

— E que tal se a minha querida esposa me acompanhasse até o salão de dança? — uma banda de música clássica tocava lindamente.

— Será um prazer. — segurei sua mão e a guiei até onde outros casais estavam dançando.

Nós dançamos de maneira suave, no mesmo ritmo da canção que invadia nossos ouvidos. Era muito bom poder estar com ela. Becky me trazia a paz que eu sempre precisei.

— Quer ir até o nosso quarto? Eu estava pensando em terminar a nossa noite em grande estilo. — eu disse ao seu ouvido.

— E o que estamos esperando? — deu uma mordiscada na minha orelha.

Deixei a conta paga e corremos pelos corredores até o nosso quarto. Já entramos nos beijando e eu a ergui em meus braços, até chegar na cama.

Tiramos nossas roupas e fizemos amor por horas, dando pequenas pausas para respirar um pouco ou tomar uma água. Nosso último ato foi no banheiro, debaixo do chuveiro, com nossos corpos molhados. Depois dormimos profundamente até que o dia seguinte chegasse.

Os primeiros cinco dias passaram, tudo estava em ordem e eu me divertia como nunca. A primeira parada do cruzeiro seria numa ilha do Havaí. Chegamos pela manhã e aproveitamos toda a paisagem da ilha.

— Amor, hoje à noite vai ter uma festa de luxo num iate. Nós temos que ir! — ela disse quando entramos no quarto de hotel.

— Tudo que você quiser. — respondi.

Por volta das seis da noite, nós dois fomos até o cais de onde o iate zarparia. Havia muitas pessoas ali, eu chutaria pelo menos umas trezentas.

Becky e eu começamos a andar pelo lugar e beber um pouco. Eu me permiti ingerir um pouco de álcool já que fazia alguns meses que eu não sentia nem o cheiro daquilo.

Minha esposa estava fascinada, querendo conhecer cada andar do iate, e eu, fazendo todas as suas vontades, caminhei com ela por aí.

Paramos no último andar, um quarto vazio com uma espécie de varanda. Becky foi até lá e eu preferi olhar os peixes que o dono do iate possuía num aquário grande super iluminado.

— Que estranho, todo mundo parou de dançar e beber. Parecem estátuas vivas. — ela disse.

— Deve ser um novo estilo de dança. — eu ri e dei de ombros.

— Não sei... — ela caminhou até a porta de saída e abriu uma pequena brecha. — Mas... que canto é esse?

— Canto? — franzi a testa. — Becky! — me dei conta do que estava acontecendo, mas quando virei para impedir a minha esposa de sair dali, já era tarde demais. — Becky! — o que eu iria fazer? Se eu saísse, entraria em transe ao ouvir o canto e não teria como tentar salvar a Becky.

Procurei pelo quarto algo que pudesse cobrir os meus ouvidos e encontrei tampões para nado. Os coloquei e me certifiquei de que não ouviria nada, me aproximando devagar da porta. Eu abri e vi que poderia sair sem problemas.

Corri até a parte externa e vi todas as pessoas que antes bebiam e dançavam animadamente se jogando no mar voluntariamente. Com toda certeza estávamos lidando com uma sereia.

Comecei a correr por entre a multidão, procurando Becky desesperadamente até vê-la em pé na beira do iate prestes a se jogar. Acelerei o meu passo, mas foi tarde demais. Ela caiu e eu não pude fazer nada.

Minha única alternativa foi pular também e tentar impedir que a sereia a levasse. Segurei Becky em meus braços com um semblante leve e sereno, ela carregava um pequeno sorriso em seu rosto. Era a mesma expressão que meu pai carregava quando Aria o levou de mim.

Toda essa situação estava me causando calafrios intensos. Todos que estavam no iate boiavam no mar sem mexer um dedo, anestesiados pelo canto da sereia.

Eu comecei a nadar em direção às escadas do iate, mas antes que eu chegasse lá, algo puxou a Becky e eu me vi lutando com uma sereia pela segunda vez pra salvar a vida de alguém. E dessa vez eu não aceitaria perder. Becky tinha mudado toda a minha perspectiva de vida e eu temia cair na mesma melancolia de antes se a perdesse.

Usei toda a minha força para não deixar que ela afundasse. E quando vi que perderia aquela disputa, eu chutei a sereia, e como defesa ela arranhou a minha perna com algo que pareciam garras. Soltei um grito ao sentir aquela dor intensa. A água ficou vermelha ao meu redor e eu me preocupei.

E junto com o meu sangue, outra coisa emergiu. Seus cabelos estavam escuros como o mar à noite, sua pele era tão branca quanto o vazio em seus olhos, e a cauda era preta. A mesma cauda que eu vi quando a Água me salvou.

E por mais diferente que ela estivesse, eu pude reconhecer a Aria. Mas o que diabos havia acontecido com a sua aparência? Ela estava muito mais assustadora agora. Olhar para ela era desconfortável. Talvez porque não fosse nada fácil encarar a mulher que um dia eu amei tão mudada, como se a própria escuridão tivesse consumido o seu corpo.

Ela olhava para mim séria. Em seu rosto, uma neutralidade que não me deixava decifrar o que estava sentindo. Ela olhou para a Becky e ergueu uma de suas mãos para tocar o rosto dela. E quando eu vi aquelas garras escuras, tingidas com o sangue da minha pele, eu me assustei e afastei a Becky, a abraçando contra o meu corpo.

Ária tornou a me olhar e pendeu a cabeça para o lado como se não entendesse o que eu estava fazendo.

Tirei os tampões dos meus ouvidos e quando ela viu que eu não a ouvi cantar, sorriu de lado. Era um sorriso de maldade, não tinha relação nenhuma com as dezenas de belos sorrisos que eu vi no rosto dela antes.

— Sempre driblando a minha voz. — ela disse. E a única coisa que não havia mudado era a sua voz. Ainda doce, ainda causando prazeres indescritíveis ao meu cérebro. — Tem medo de mim? — perguntou referindo-se ao fato de que eu ainda tentava me afastar devagar.

— O que aconteceu com você? — não iria descansar até descobrir isso.

— Eu renasci. — quando ela disse isso, sua cauda se acendeu em sombreados vermelhos que pareciam estar queimando.

Seja lá o que a Água fez com a Aria, havia destruído tudo o que um dia eu conheci e amei.

Alto Mar ᵛⁱⁿⁿⁱᵉ ʰᵃᶜᵏᵉʳOnde histórias criam vida. Descubra agora