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ARIA WOOD

Eu via o Vinnie se envolver mais e mais com o passar dos dias. O que mais me intrigava era perceber as minhas mudanças internas e externas. Meu cabelo ficava cada vez mais castanho, minha pele estava corada de novo, minhas unhas, que antes eram garras afiadas, voltaram a ser pequenas e delicadas. Até a minha cauda começou a ficar rosada, deixando bem claro que o preto se apagava. A única coisa que não mudou foram os meus olhos.

Parece que perder a minha alma não foi o suficiente para me tirar todos os sentimentos pelos humanos. Eu ainda matava pessoas sem compaixão, ainda me sentia totalmente ligada ao mar e ainda era insensível a qualquer dor humana, menos às dores do Vinnie. Era como se ele tivesse despertado um lado meu que só era capaz de amar a ele e mais ninguém.

Eu percebia o quanto ficar à deriva estava prejudicando a saúde dele. Os alimentos começaram a estragar, ele precisou racionar comida para sobreviver, sua pele criava feridas por causa do sol e o sal que a brisa do mar levava para o iate. Vinnie estava claramente desidratado, mais magro e com uma aparência bem bagunçada por causa de sua barba e cabelos grandes.

Tentei várias vezes convencê-lo a aceitar que eu pedisse ajuda, mas ele sempre negou. Eu não iria fazer nada que ele não quisesse, não iria salvar alguém que não quer ser salvo.

Entrando na terceira semana dessa vida marinha, eu estava limpando as feridas em suas costas com um pouco de álcool enquanto ele resmungava pela dor.

— Isso é tortura! — exclamou.

— Seria melhor ir até um hospital cuidar disso.

— Não quero voltar agora, já conversamos sobre isso.

— Você nunca quer voltar. Me diga, quer morrer aqui?

— Nós estamos quase lá pra recuperar a sua alma.

— Vinnie, você não vai recuperar a minha alma. Entenda que eu não sinto nada por ninguém além de você. Isso não quer dizer que a minha alma voltou, quer dizer que eu te amo tanto que nem preciso ter alma pra sentir isso. As outras pessoas continuam insignificantes.

— Mas... — o interrompi.

— Não faz isso comigo. Eu estou me sentindo responsável por você se colocar numa situação tão perigosa! A Água ainda está com a minha alma e não pretende devolvê-la. E sinceramente, tudo isso torna muito mais fácil matar pessoas.

— Você disse que não voltaria para Seacity...

— E é por isso que não quer ser salvo? Você tem certeza que me quer? Você vai envelhecer e morrer, eu continuarei com o mesmo rosto. Eu não quero ver você morrer.

— Disse que só pediria ajuda quando eu quisesse, não é? Então não há mais o que conversar sobre isso.

Fiquei em silêncio e terminei o que estava fazendo. Por mais cansado mentalmente que estivesse, ele insistia em ficar brincando comigo por todo o iate, me agarrando, beijando e falando o quanto eu era maravilhosa. Tudo o que Vinnie fazia girava em torno de mim. E a sua dependência emocional estava a ponto de matá-lo.

No meio da noite, ele começou a tossir enquanto dormia. Era uma tosse seca e ele até soltou um pouco de sangue que sujou o travesseiro. Esse era o meu limite. Eu não podia permitir que ele adoecesse por minha culpa.

Depositei um beijo em sua testa enquanto ele dormia e saí de fininho dali. Mergulhei no mar e comecei a nadar em direção à Seacity. Desde que perdi a minha alma, eu estava mais rápida do que nunca e calculei que chegaria na cidade em menos de duas horas, por mais longe que estivesse.

Alto Mar ᵛⁱⁿⁿⁱᵉ ʰᵃᶜᵏᵉʳOnde histórias criam vida. Descubra agora