02 - Custando Minha Vida

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Eu relutantemente me levantei da cama, deixando Hazel adormecida e saciada, esquentando-se lentamente nos cobertores. Coloquei uma roupa casual e o bracelete, como se fosse um amuleto da sorte sob a manga do sobretudo que usaria para encarar a insistente garoa que caía lá fora. Sorri para ela e saí, preparado para quebrar a paz e alegria que sentia.

Caminhei pela rua vazia e assombrada da nossa vizinhança por alguns minutos até chegar ao centro da cidade igualmente ermo e escuro, onde se encontrava a joalheria 'Dreams'. A arma que eu carregava tilintava silenciosamente junto às minhas costelas, que protegiam órgãos vitais e ao mesmo tempo tão mórbidos e desumanos, como o coração, que bombeava sangue frio em mim.

Dreams era uma loja modesta considerando o preço das coisas que eram vendidas lá, mas era também um estabelecimento contraditório, no mínimo, considerando a natureza trambiqueira de seu administrador.

O sino no alto da porta de vidro denunciou minha chegada, visto que meus passos não o fizeram. Entrei calmamente, analisando as prateleiras e os balcões protegidos por acrílico, com diversas coleções e itens à mostra para fazer inveja nos que não podiam comprar e para instigar o desejo mesquinho de impressionar nos mais ricos. Um rapaz bonito e contemplativo me observava cuidadosamente enquanto eu passeava pelas modas do verão que tinha se encerrado havia poucos dias. "Como posso ajudar?" Ele perguntou, embora não tivesse certeza de que seu propósito era esse. Anotava algo em um pequeno bloco de notas que deixou em uma estante escura e bem envernizada antes de vir me atender.

Estendi um papel dobrado da mesma forma que recebi e disse: "Seu pai pediu para que eu avaliasse a coleção 'Océan' para o inverno desse ano, gostaria de falar com ele acerca das minhas impressões."

O jovem abriu o papel e correu os olhos pelas palavras rapidamente, me dando uma meia confirmação de alguma coisa e indo para uma escada espiral para chamar alguém no andar superior. Pude ver um brinco extravagante pendurado em sua orelha direita, como uma argola de cristal, além de outros furos menores com gemas de cor azul claro. Esperei pacientemente em pé até que ele me ofereceu um banco para me sentar.

Conversamos sobre algumas poucas coisas mais ou menos superficiais pois não tive tempo de explorar mais a fundo sua natureza agradável e curiosamente avançada para um jovem naquela idade. Paul surgiu com sua aura incontestável e superior nos andares mais elevados da escada espiral e rapidamente dispensou quem eu descobri ser seu filho mais novo em resposta a um comentário rude dele. "O rapaz parecia interessado na nossa conversa", eu disse despretensiosamente, reparando na quantidade exagerada de anéis em seus dedos.

"Ele não tem interesse em nada que não seja teórico e inaplicável, é um jovem dotado de psicologia de quintal e que me aborrece muito com seu descaso em relação aos negócios da família."

Particularmente, eu fiquei feliz em saber que o garoto não tinha interesse na herança familiar, porque ele podia se surpreender com o que estava bem debaixo do seu nariz. Mais precisamente, podia ficar surpreso com a cobra que vivia mordendo calcanhares à vista de todos, quem ele coincidentemente chamava de 'pai'. Um sorriso delicado se desenhou em meu rosto ao pensar no garoto, Hazel provavelmente gostaria dele e de seu jeito meio distraído e absorto.

"Bem, imagino que tenha vindo por conta da resenha que te pedi para fazer. Está sendo muito trabalhoso?" Seu semblante se desculpava por estar sendo um possível inconveniente, o que não era completamente mentira.

"Na verdade não", menti. "Está praticamente pronta para ser posta em uma coluna do mais prestigiado jornal nas redondezas."

"Ah, que boa notícia", ele suspirou, relaxando na cadeira à minha frente.

Perturbações [original]Onde histórias criam vida. Descubra agora