RESTART

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A chuva fina batia contra o para-brisa do carro conforme eu dirigia pela estrada escura rodeada de árvores dando um clima perfeito para ler, dormir e até mesmo pintar algo com uma música baixa tocando em meu notebook. Mas ao invés de estar fazendo qualquer uma dessas coisas desfrutando dos prazeres caseiros da minha nova casa e nova vida aqui em Forks, estou dirigindo até o mercado para comprar coisas que não tive como trazer na mudança, coisas essas que seriam papel higiênico, ovo, leite e outras coisas necessárias para a sobrevivência de um ser humano. 

Céus, eu havia me mudado há menos de 1 semana e estava um completo desastre, tanto meu rosto quanto cabelo e roupas. Bom, pelo menos a casa estava completamente arrumada com todos os utensílios em seus devidos lugares e com o cheiro maldito de rosas por todo canto, esse cheiro me dá dores de cabeça, eu deveria ter comprado um produto com cheiro leve e não algo que fede até a minha alma.

Estacionei o carro e vesti meu capuz antes de saltar do carro carregando minha carteira e chaves do carro. Fechei a porta do veículo e corri para dentro do pequeno mercado onde peguei uma cestinha e retirei meu capuz que havia me protegido da chuva. Caminhei pelos corredores vazios deixando minha mente passear. A primeira coisa que surgiu em minha mente foi o fato de ter praticamente fugido de Atlanta assim que o funeral de Rachel, minha mãe, terminou. Bem, na verdade, eu precisava de algo... Algo que não sei explicar. Talvez uma garrafa de tequila e um pulinho em La Push me façam acordar para vida e perceber que isso seja o inicio de uma depressão ou seja lá o que. A segunda coisa que percebi, foi que o vazio que pareço sentir em meu peito não vai ser preenchido por bebidas baratas e noites de choro enquanto olho algo qualquer que me faça lembrar dela... Maldita mulher.

Encarando as prateleiras de alcoólicos a terceira coisa veio em minha mente. Eu realmente irei dar aulas de artes para adolescentes cheios de hormônios que só pensam em fugir dessa cidade? Ok, eu amo arte com todas as minhas forças, mas o problemas são os adolescentes cheios de hormônios que vão me rodear todos os dias a partir de segunda-feira.... Talvez uma garrafa de tequila não seja má ideia. 

Quando estava no caixa, passando as lasanhas congeladas, percebi a quarta coisa. Encontrar pessoas do passado pode machucar. Todas vão perguntar o porque de eu ter voltado, como está Rachel e eu vou ter que tocar no assunto tão detestável, o elefante cor de rosa na sala, o suicídio.

Corri até o carro segurando o capuz sobre a cabeça e as sacolas na outra mãos. Entrei no veiculo e coloquei meu cinto de segurança antes de encarar o nada em minha frente por um momento.

- Muitas coisas, pouco tempo Elizabeth... Você pensa de mais - suspirei para mim mesma antes de colocar a chave na ignição e dar partida.

Eu e minha mãe morávamos em Forks. Ficamos aqui até meus 10 anos antes dela e meu pai se separarem e nós duas irmos para Atlanta onde morávamos em um pequeno apartamento com algumas plantas e dois quartos. Com sorte, comecei a faculdade com 18 anos e me formei com 22 pronta para dar aulas de artes. Hoje, com 25 anos, posso dizer que não me arrependo de ter feito minhas escolhas, pois fui feliz ensinando para crianças o básico de cores primárias e que ninguém pode dizer que a vida é feia, ela só é observada de maneiras diferentes por pessoas diferentes com sentimentos diferentes.

A vida era monótona, pensei comigo mesma saindo de dentro do carro carregando as sacolas em meus braços. Era calma e eu mal vivia em casa. Andei a escada estreita da frente da casa, tirei as chaves de meu bolso parando em frente da porta antes de a abrir. Eu ficava até tarde na escola corrigindo atividades ou fazendo planejamentos, fiquei tão ocupada com o meu dia a dia comum e sem graça que nem notei os sinais que ela dava. Suspirei e larguei as coisas sobre a mesa da cozinha colocando as mãos na cintura olhando o nada por um momento. Ela não tinha vontade de fazer nada, não cozinhava, não lavava a roupa, não saia para caminhar, não fazia compras para a casa, não conversava comigo ou com os amigos da vizinhança... Ninguém além de Henry, o namorado dela, havia notado. Ele achou ela quando chegou em casa de madrugada, Rachel tinha bebido todos os comprimidos para dormir com uma garrafa de vinho branco... Onde eu estava? Bom, tinha perdido a hora para voltar para casa enquanto me preparava para uma exposição de trabalhos do final do ano letivo.

Coloquei a lasanha no micro-ondas e abri a garrafa de tequila me servindo de uma dose em um copo de vidro.

Minha última lembrança dela foi na manhã anterior. Ela estava dormindo no sofá da sala e eu não tive coragem de a acordar antes de sair para trabalhar. 

- A vida é uma merda... Mas não quer dizer que os recomeços devem ser. - Ri baixo antes de virar a dose de tequila em minha boca sentindo tudo queimar e meu corpo se esquentar um pouco.

Decidi voltar para Forks ao fim do ano letivo dos meus alunos. Eu não tive coragem de olhar para minha mãe uma última vez durante o funeral, ali, eu percebi que não conseguiria mais ficar naquela cidade, naquele apartamento, naquele lugar para onde fugimos anos atrás. E olha só, vim para um lugar onde todos me conhecem e vou conviver com os" Como anda sua mãe?", e responder "Queimando no fogo no inferno".

Escutei o micro-ondas apitar.

Peguei a lasanha com um pano e me dirigi até a sala carregando junto comigo uma colher. Me sentei no sofá e estiquei minhas pernas as apoiando na mesinha de centro para colocar a lasanha em meu colo. Peguei um pedaço da comida fumegante e levei até minha boca.

- Merda. - Resmunguei abrindo a boca a abanando para esfriar a lasanha que queimava minha língua.

Quando finalmente consegui mastigar e engolir, eu deixei meu olhar percorrer a casa escura com paredes brancas e verde musgo, com cortinas escuras e pouca decoração.

- Céus, eu sou tão... Desanimada? - Franzi minha testa e neguei com a cabeça antes de voltar a comer, dessa vez, soprando a lasanha antes de colocar em minha boca.

Quando olhei o relógio que brilhava em vermelho na estante de livros, vi os números apontando ser 20:19. Eu precisava guardar o que comprei, tomar banho e ir deitar para levantar cedo amanhã, e assim eu fiz.

Me levantei do sofá assim que terminei de comer a lasanha. Joguei no lixo a embalagem com o resto do molho frio. Guardei os itens que eu havia comprado deixando somente a garrafa de tequila ao meu alcance em cima da mesa.

Subi até meu quarto acendendo as luzes. Peguei um pijama e roupas de baixo, tais como uma calcinha e um sutiã, e fui em direção ao banheiro largando tudo sobre o mármore da pia. Peguei uma tolha dentro do armário e me despi. Ao entrar dentro do box e o fechar, eu abri o registro do chuveiro e deixei a água quente me atingir limpando não só meu corpo e cabelos, mas minha mente também. 

Por deus! Meus braços e pernas pulsavam de dor assim como minha nuca que começava a doer de forma insuportável. Eu estava pensando de mais antes de voltar a ter uma rotina longa de trabalho, e dessa vez, uma rotina mais barulhenta e com pessoas e ares novos. 

Passando o sabonete por minha pele, eu tentava relaxar tentando pensar no lado positivo. Eu poderia mexer com outras formas de arte, sem ser os rabiscos de tinta guache em folhas brancas, ou giz em calçadas. Eu poderia ser mais criativa, e iria ser, mesmo os adolescentes não ligando para a beleza e os sentimentos retratados em um quadro ou o que as pinturas rupestres significam e significavam. Não vou ser uma professora boazinha, vou querer o máximos desses moleques, vou fazer eles encontrarem os artistas e os sentimentos mais obscuros que escondem dentro de si mesmos.

Fechando o chuveiro, eu peguei a toalha e me sequei rapidamente antes de sentir muito frio. Me vesti e então escovei meus dentes encarando meu reflexo no espelho. 

Olheiras fundas e roxeadas. Pele sem brilho, mas bronzeada. Unhas por fazer e cabelo fora de corte. Eu estou um desastre, mas vou melhorar.

Lavei meu rosto para então ir para o quarto. Apaguei as luzes e me deitei em baixo das mantas grossas e quentinhas com estampas ridículas.

Com meus olhos fechados, eu conseguia ouvir meu coração batendo em meus ouvidos e minha respiração descompassada. Maldita seja a ansiedade de pensar de mais, porém, é só isso que sei fazer... Pensar de mais no amanhã e no que vem a seguir.

Não acredito em destino, mas sei ler as entrelinhas das expressões e perceber quando algo não está certo, a não ser, que eu me faça de cega para não ver algo de errado.

É... Eu me fiz de cega, me neguei a ver o sinais com ela. Será que, vou fazer o mesmo comigo mesma?

THE ART OF PAIN, Jasper Hale - HIATUS/SENDO REESCRITAOnde histórias criam vida. Descubra agora