- Oi, dotora pececológica! - Ramiro entrou no consultório parecendo bem mais leve do que nas sessões anteriores
- Estou vendo que você está bem mais animado - Marta sorriu.
O rapaz sentou-se e foi falando quase sem respirar:
- É que eu aceitei a tal da colaboração premeviada que o delegado ofereceu, e entreguei todos os crime que o patrão fez eu cometê. Contei tudo mesmo. Que eu matei o Samuel e depois toquei fogo na casa junto com os otro peão. Que tentei matar a viúva também, tentei afogar no rio, mas o Caio apareceu. Depois tentei atropelá ela. Que matei a jornalista e o irmão da jornalista. Ah, e sequestrei o menino, filho da viúva... mas eu não machuquei ele, não faço mal pra criança. E a tive que enterrá o Sidinei, que a patroa furou na faca. Era pra eu ter matado ele antes, só que eu tive aqueles tremilique, passei mal, e ele fugiu. Eu ia matá a dona Agatha também,mas não consegui, daí a dona Irene pegô a arma da minha mão e fez o serviço ela mesma - finalmente ele suspirou, de um jeito aliviado.
A terapeuta foi arregalando os olhos conforme ouvia. E respirou fundo antes de balbuciar:
- Então qd vc falava em despachar carga... era metáfora!
- Meta onde? - Ramiro franziu a testa.
- Quer dizer... Você estava falando de corpos, não de soja..
- Ué, todo mundo sabe nessa cidade que eu despachava pra cidade dos pé junto mesmo... Mas a pececológica pode fica tranquila, porque eu não faço mais essas coisa. Sou um novo home - ele sorriu com orgulho de si.
Marta enfim conseguiu desfazer a tensão e retomar a postura:
- Que bom, então. E como você se sente em relação a esses atos?
- Ah, eu tenho medo de ir pro inferno, mas o Kevinho diz se nóis for pra junto do capeta, vai sê por otros motivo - ele deu uma risadinha.
- Ramiro, o assunto é sério - a psicóloga o encarou de um jeito que fez o homem até se aprumar no sofá.
Ele soltou um suspiro antes de prosseguir:
- Não sei se é culpa que chama, mas desde que o Kevinho começô a botá na minha cabeça que era errado, eu não consegui mais atirá... Começa os tremilique, o ar vai faltando, as perna amolece, inté parece que vô morrê - a voz quase foi sumindo enquanto falava.
- Esses sintomas parecem de uma crise de pânico - ela comentou com cuidado.
- É, foi o que o Kevinho disse - Ramiro balançou a cabeça na vertical, e ficou por alguns instantes perdido em lembranças, até que abriu um sorriso - Ele acalma eu. Quando abraço meu pequetito, todas as coisa ruim vão embora.
- Isso é ótimo, que você tenha um apoio nesses momentos. Mas precisa entender a causa dessas crises. Quando elas começaram? - continuou a terapeuta.
O rapaz explicou com aquela sinceridade que só ele tinha:
- Acho que foi... quando a dona Agatha armô pra viúva, e queria eu atirasse no patrão pra dizê que tinha sido a Aline, sabe? Eu fiquei parado com a arma na mão, olhando pro patrão e achando muito errado de atirá nele. Daí a Agatha rancô a arma da minha mão e deu ela mesma o tiro, e meus zóio nem queria acreditá no que tavam vendo. A muié atirá no próprio marido! O patrão ali sangrando! Minha cabeça ficô zureta, e meu peito parecia que ia explodí. Daí eu procurei o Kevinho, ele me abraçô de um jeito que eu fiquei com a cabeça assim no colo dele. Só assim que passô aquele desespero - os olhos dele foram marejando enquanto falava.
- Então, pelo que está me contando, nesse dia você pôde ter uma visão de fora do mesmo tipo de ação que você mesmo cometia. Pôde ver a brutalidade desse tipo de ato. Você nunca tinha refletido, parado pra pensar nisso antes?
- Ah, dotora... eu era um menino ainda quando o patrão me ensinô a atirá e me mandô fazê o primeiro serviço. Eu só cumpria orde, não podia perguntá se era certo ou errado. Só quando o Kevinho começô a dizê "Ramiro, ocê não pode fazê essas coisa, é mardade", foi que comecei a pensá. Causa de quê o pequetito era a única pessoa que me tratava feito gente, então ele devia de tá falando pro meu bem, né? - Ramiro olhou para a psicóloga com jeito de menino perdido.
- Com certeza. Por tudo que você contou aqui, o Kelvin quer o melhor pra você. E esse tipo de trabalho dificilmente tem um bom desfecho.
- É, o Kevinho inté disse que tinha medo de me perdê... - o rapaz soltou um suspiro, claramente lembrando das conversas difíceis que tiveram.
- E você? Que medo sentia quando pensava nesse trabalho? - questionou Marta.
O homem respondeu com certeza:
- De acontecê algo ruim com meu Kevinho. E do Kevinho desgostá de mim, achá que eu não sô bão pra ele, E eu não sei mais vivê sem esse pequetito!
A terapeuta deu um leve sorriso diante da declaração apaixonada do paciente, mas logo ficou séria:
- E além dos medos que envolviam o Kelvin, tinha outros?
Ramiro inclinou-se na direção da psicóloga, falando mais baixo:
- Ah, eu não quero ir pro inferno. E das alma penada que eu despachei vim cobrá de eu, querê me arrastá junto lá pra baixo.
Ela respondeu em tom acolhedor:
- Ramiro, isso não vai acontecer, não existem almas penadas. Mas é importante essa consciência que você vem adquirindo. E agora pode construir novos caminhos, sem crimes.
O moreno até se ajeitou no sofá, aprumando a coluna:
- É o que eu quero, dotora pececológica. Sê um home bão, direito. Não tenho preguiça de trabaiá, não. Agora que tô ficando mió da surra, vou arrumá um trabaio digno. Enquanto isso, to ajudando lá no bar.
- Muito bom. Tenho certeza que você vai me trazer mais notícias boas logo logo. E as crises de pânico, não teve mais? - Marta achou importante retomar esse assunto.
- Eu não peguei mais na arma, então não tive mais aqueles tremelique. Só tava passando mal mesmo pra fazê coisa com o Kevinho, como contei no outro dia. Mas nóis já arresorvemo esse pobrema - o grandão contou com um sorrisinho orgulhoso.
- Então vocês conversaram sobre seu trauma?
- Eu não sabia como falá, mas não tem como escapá daquele pequetito. Daí eu contei tudo, ele entendeu, e com aquele jeitinho dele parece que foi entrando na minha cachola e desfazendo os nó, sabe? - o sorriso ia aumentando a cada palavra.
- Ramiro, você está indo muito bem, encarando os problemas, buscando soluções. Parece que nosso trabalho vem dando resultado, né? - a terapeuta também estava sorrindo.
- Ô, pececólogica... sô muito agradecido pelo tanto que me ajuda vir aqui. No início eu não gostava, porque achava errado falá das minha intimidade. Mas agora entendi que é bom tê com quem conversá sobre as coisa que bangunça a cabeça da gente - O rapaz levantou-se e deu um abraço entusiamado em Marta - Obrigado, dotora pececológica, obrigado. Não vô fugi mais da terapia, vô batê ponto aqui toda semana.
- Assim espero, Ramiro. Ainda temos muitas coisas para trabalhar - ela retribuiu o abraço de leve.
- Inté, dotora! - despediu-se o homem, saindo da sala com alegria.
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Sessões de Ramiro
FanfictionRamiro continua indo à "pececológica" regularmente, e contando eventos importantes, principalmente na sua história com Kelvin. As sessões que a novela não mostrou.