Sessão 6

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Ramiro iria cumprir a palavra, mas um fatídico encontro com o ex-patrão mudou radicalmente seus planos. Mas foi também um fim incisivo para um longo ciclo de abusos e humilhações, onde a violência tinha sido a linguagem constante.

Durante o tempo na prisão, o rapaz continuou tendo acompanhamento psicológico de Marta, que a cada 15 dias ia até a instituição para atendê-lo. O moreno até incentivava os colegas de cela a fazerem terapia também, e pelo menos dois passaram a ser atendidos pela "pececológica".

Depois do casamento e da progressão de pena, o homem finalmente estava voltando ao consultório. Entrou sorrindo, e sentou com leveza no sofá, brincando com o balanço do móvel, parecendo uma criança sentada num colchão de molas.

- E então, Ramiro? Como você está, nessa nova fase? - a terapeuta questionou num tom acolhedor.

O homem abriu mais o sorriso:

- Tá bão, né? To casado com o amor da minha vida. Que mais eu posso querê?

- O que você acha que pode querer? - Marta devolveu, encarando ele.

O olhar do peão ficou distante:

- Ah, tê uma terrinha minha, pra plantá ums pé de milho, umas verdura, umas abobra...

- E como você pensa em conquistar isso?

- Vô te de trabaiá muito, né? Mas nunca tive medo de trabaio - ele mexeu nas mangas, que já estavam dobradas.

- Com certeza. Mas já tem alguma ideia de por onde começar? - a psicóloga continuou.

Mas Ramiro reagiu com um risinho travesso:

- Ah, ainda tô em lua de mel com Kevinho, não parei pra pensá, não...

Marta cobriu a boca com uma das mãos, disfarçando o riso que queria escapar, e achou melhor mudar de assunto, depois de respirar fundo:

- Sei que já falamos bastante sobre isso, mas agora, aqui fora, como você está se sentindo em relação a tudo que aconteceu, aos fatos que levaram a sua prisão?

O moreno ficou muito sério e falou com firmeza:

- Não me arrependo nem um poco. O dotor Antônio teve o fim que mereceu, não valia o ar que respirava. Era gente ruim, só plantava o mal. Colheu levando chumbo de quem ele mesmo ensinô a matá. Mas foi a última alma que eu despachei pro inferno. Aquele Ramiro que ele me fez sê morreu junto com Antônio La Selva.

Enquanto o rapaz puxava o ar para os pulmões, a psicóloga ficou alguns instantes em silêncio, pensando no que falar. Enfim perguntou com cuidado:

- E essa morte mudou alguma coisa dentro de você? Ou na forma de se relacionar com o mundo?

- Quando seu Antonio tombô no chão, eu jurei que nunca mais ninguém vai me chamá de jumento. Não dexo. Quem qué meu respeito, tem que me respeitá também.

- Isso é muito importante... reconhecer que você tem valor, para que os outros também reconheçam - Marta sorriu, feliz com a evolução do paciente.

Ramiro aprumou-se no sofá, inflando o peito:

- Eu tenho muito valor, sim. E o Kevinho viu isso, quando nem eu via. Ainda bem que meu pequetito não desistiu até me fazê enxergá - ele foi interrompido pela vibração do celular e esboçou um sorriso fofo - Deve de sê ele, avisando que já está esperando ali fora. Ele qué me levá pra comprá umas ropa nova, eu não queria que ele gastasse dinhero assim comigo, mas não posso andá pelado, né?

- Se ele quer presentear, aceite de coração aberto. Você merece coisas boas, não acha?

- Pois é. Então vô indo - o homem levantou-se, sendo seguido até a porta pela terapeuta:

- Nos vemos semana que vem, então. Ainda temos várias questões pra trabalhar, Ramiro... Mas você está indo muito bem, evoluindo muito..

- Sim dotora... semana que vem tô aqui de novo. E se eu não venho, Kevinho me trás pelas oreia, então mió vim pelas minhas perna mesmo.

Enquanto ele falava, Marta abriu a porta, a tempo de Kelvin ouvir as últimas frases.

- Ainda bem que você sabe - provocou o loiro, aproximando-se para um selinho no marido.

- Gradicido, pececológica... É muito bão conversá com a senhora. Agora tenho de ir com o Kevinho, mas eu não quero mais dexá de fazê essa tal de terapia - Ramiro deu um abraço meio desajeitado na terapeuta, e saiu feliz, de mãos dadas com Kelvin, em direção ao elevador.

Sessões de RamiroOnde histórias criam vida. Descubra agora