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POV AURORA

Eu descobri que não existe dor maior do que perceber que você está sozinha. Sozinha.

Me encolho na pequena cama, colocando minha cabeça entre meus joelhos e me permito chorar.

Dizem que chorar alivia, mas nesse momento, não parece aliviar; parece que está doendo ainda mais. Parece que meu coração vai saltar pela boca porque ele se cansou. Meu corpo não relaxa, ele quer correr de mim e a minha alma fugiu e levou o ânimo embora.

Na calada da noite, quando sou apenas um peso morto, percebo que a dor é a única coisa que aumenta e continuo insignificante. A dor é a única coisa que triplica. Às vezes me pergunto por que a existência me concedeu uma ansiedade e não uma vida. Eu queria ter uma vida, eu queria poder ser grata pelas coisas simples, mas ultimamente o mais simples dos meus dias tem sido chorar e me sentir tão podre por dentro que mal consigo sorrir. Eu queria poder ter ânimo, eu queria poder ter autonomia e não deixar a ansiedade me levar para onde ela quiser, e eu queria poder sentir que a minha vida é valiosa. Sim, eu odeio me sentir sozinha e eu odeio sentir que todos os dias estou caindo em um buraco escuro e molhado. Dizem que melhora, que passa, que dói menos, mas é uma vida inteira esperando por oxigênio quando tudo o que tenho feito é me afogar em minha própria dor.

Solto um soluço de choro sem conseguir me conter, finalmente entendo que não há ninguém por perto e que ninguém pode tirar meu coração de dentro de mim, finalmente entendo que eu não nasci para a vida e meu corpo gélido em um choro inconsolável concorda. Eu queria que os momentos mágicos realmente existissem, tal como na minha cabeça, nos filmes e nos livros que eu li quando criança. Sinto que estar aqui ou partir não faz a mínima diferença se tudo o que faço é sentir e tremer de ansiedade por coisas que nem tenho culpa. Sinto que o melhor que tenho feito é estar longe de pessoas, eu odeio sentir que estou levando o melhor delas, mas confesso que de noite é difícil conter o desespero estando sozinha. Tão sozinha que sinto o ecoar do meu choro dentro de mim.

— Para de chorar, porra. — minha companheira de cela resmunga sem paciência.

Estou entrando em uma crise, não consigo conter meus soluços e a tremedeira do meu corpo. Balanço meu corpo em um vai e vem tentando me acalmar e não me desesperar ainda mais.

— Vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem! – repito inúmeras vezes enquanto me balanço tentando me acalmar.

Aos poucos, minha respiração volta ao normal, os soluços cessam.

— Tá tendo uma convulsão aí — Janaina fala, e eu percebo que ela está em pé em frente à minha cama me olhando de maneira estranha. — Você é louca! Deveria ir para a ala psiquiátrica.

Prefiro não falar nada, pois ela não entenderia. Ninguém nunca entende...

— Desculpa se te acordei.

— Você está bem? — questiona.

— Sim. — minto. Era de costume mentir sobre isso.

— Hum — resmunga — Não faz mais barulho que eu quero dormir. — aponta para mim.

Assinto passando minhas mãos pelo meu rosto molhado pelas lágrimas.

Essa foi só a primeira noite que passei aqui e eu já tive uma crise... Fazia meses que eu estava curada dessa merda e agora, estando presa aqui, me despertou um gatilho fodido e minhas crises voltaram.

O restante da noite passa devagar, eu não tinha noção de horários aqui o que era uma merda, mas percebi quando amanheceu pela movimentação dos guardas.

Alguns andavam pra lá e pra cá, enquanto outros batiam nas grades para acordar as presas que ainda dormiam. Elas reclamavam e xingavam os guardas.

— Aurora — um policial me chama assim que para em frente à minha cela. Encaro ele que me encara também. — Delegado está te chamando. Vamos! — manda. — Abram a cela 13.

A cela abre e eu me levanto, batendo as mãos na minha calça como se eu a estivesse limpando. Caminho até o guarda que segura firme em meus braços e sai me puxando pelos corredores. Algumas presas fazem piadinhas, mas eu ignoro. Não quero imaginar quando eu estiver no meio delas como vai ser...

Novamente, estou parada em frente à enorme porta de cor preta.

— Entra — a voz grossa do delegado fala de dentro da sala autorizando nossa entrada.

O guarda que me acompanha abre a porta e me puxa para dentro da mesma. Olho ao redor e percebo que há mais pessoas na sala além do delegado.

– Aurora – me cumprimenta, olhando-me nos olhos. Seus olhos examinam meu rosto e descem por todo meu corpo, me fazendo corar instantaneamente. — Lembra que marquei para você dar seu depoimento. — fala, subindo seu olhar para meus olhos novamente. Apenas assinto. — Sente-se para iniciarmos.

Caminho até a cadeira que fica de frente para a sua mesa e me sento, colocando minhas mãos sobre minhas pernas.

— Eu quero que você me conte exatamente tudo o que fez naquele dia. – Theodoro fala, olhando-me nos olhos.

— Eu acordei cedo como de costume, preparei meu café. Eu trabalho, trabalhava — me corrijo — em uma cafeteria no centro. Antes de ir trabalhar, saía para correr todas as manhãs e fazer alguns exercícios. Depois da minha corrida matinal, tomei banho e me arrumei para o trabalho. Peguei o ônibus de todos os dias e fui trabalhar. No trabalho, não teve novidades. Eu atendia os clientes, limpava as mesas. Meu turno acabava às 18:00. Quando terminou , meu chefe me ofereceu uma carona que eu neguei, obviamente — faço uma careta ao lembrar do safado. — Me despedi e fui para o ponto de ônibus, foi aí que meu inferno começou, antes eu tivesse aceitado a carona do meu chefe... — aperto meus dedos com força, sentindo os sentimentos que eu senti naquela noite. Desespero. Apavoramento. — Uma rua antes de chegar no ponto de ônibus, há uma rua sem saída, e eu ouvi algumas vozes alteradas seguidas por um grito feminino de socorro. Na hora eu não pensei nas consequências, só pensei em ajudar... Entrei naquela rua e havia uma garota no chão, ela agonizava... eu corri para ajudá-la, ela tinha uma faca cravada no peito. — começo a chorar ao lembrar daquele momento, foi aterrorizante.

— Você não conhecia a vítima? — o delegado pergunta, me analisando.

— Não. – respondo.

Um dos homens que estava na sala digitava freneticamente em seu computador.

Limpo meu rosto rapidamente, que estava coberto por lágrimas.

A sala fica em silêncio, só se ouve o digitar do homem.

— Bom, é isso. — o delegado fala, olhando para outro homem que estava em pé ao seu lado. — Podem sair da minha sala, por favor. — pede.

Ele parece irritado.

Os homens que estavam na sala se apressam em sair. O policial que me acompanhava segura meu braço com firmeza, me fazendo levantar para voltar à minha cela.

— Você fica! — ele aponta para mim e o policial que me segurava rapidamente solta meu braço e sai da sala. — Como foi sua primeira noite aqui? — pergunta.

Ele me olha nos olhos enquanto espera minha resposta. Eu sustento seu olhar, confusa, porque não entendi o porquê dele me perguntar isso...

— Quer que eu seja sincera? — pergunto.

— Sinceridade em primeiro lugar.

Observo ele estendendo as mangas de sua camisa social, deixando-as até o cotovelo. Não queria reparar, mas ele ficou ainda mais bonito fazendo isso.

— Foi uma merda. – suspiro. — Não dormi um segundo com medo de alguém me matar.

— Por que alguém te mataria? Tem inimigas? — ele questiona, parecendo interessado em saber.

— Não. Não que eu saiba... Mas a Janaina disse que qualquer distração pode ser fatal aqui.

— Ela está certa. — ele concorda. — Mas não precisa ficar em alerta 24 horas, mesmo sendo difícil, você precisa descansar também. Ninguém vai te machucar aqui.

— Por que está falando isso? Por que você se importa? — pergunto, criando coragem.

A DetentaOnde histórias criam vida. Descubra agora