1. Explorador

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O manto azul cobalto encobriu o céu iluminado pelas estrelas de Lüderitz. A noite instalou-se com temperaturas amenas e agradáveis, colaborando para as merecidas férias perfeitas que Minho Lee já não tirava há alguns anos. Ele sempre gostou de viajar, especialmente para cidades fantasmas turísticas que ainda mantinham seu cérebro de arqueólogo em funcionamento apesar da pausa ocupacional.

Era um comportamento muito retrô, ele sabia, afinal os arqueólogos mais ultrapassados utilizavam drones e a Big Data*, os modernos usavam principalmente o Escaneamento a Laser, a LiDAR, para detectar e visualizar estruturas enterradas ou ocultas sob a vegetação, mapear o terreno e criar modelos digitais em alta resolução; além de sensoriamento remoto, e realidade virtual e aumentada.

Ir fisicamente a qualquer local tornou-se algo pouco comum para os humanos modernos. Quem precisava sair de casa para fazer qualquer coisa quando o mundo todo estava hiperconectado?

Mesmo os indivíduos de classes mais baixas que quisessem conhecer a Londres, Nova Iorque, Hong Kong ou Paris de milhares de anos atrás, na época em que eram consideradas cidades avançadas, só precisavam utilizar a realidade virtual em seus óculos para acessar o metaverso e todo o mundo ao redor transformava-se.

Os que podiam pagar uma quantia mínima iam a sets que simulavam até os estímulos sensoriais, como a temperatura, a umidade do ar, o clima, os cheiros. Graças a impressão 4d, mesmo as texturas podiam se moldar e se adaptar ao que era usual na atualidade e no passado, quando as pessoas usavam a obsoleta internet.

Portanto, as passagens para as viagens de helicóptero e avião, meios de transporte antiquados, seriam baratas até sua total extinção — que não estava muito longe de acontecer.

Minho não era exatamente um tradicionalista, mas ele até que gostava do retrógado. Talvez ele fosse um tradicionalista.

Além da experiência real, de estar integrado na cultura com seu próprio corpo, do conhecimento e das boas memórias que seus músculos também guardavam, ele trouxe consigo lembrancinhas que preenchiam seu coração de amor. Soonie, Doongie, Dori, seus filhos felinos, cada um resgatado e recolhido de uma cidade fantasma diferente.

Soonie, o mais velho, vagava pelas ruas desertas de Varosha, o bairro abandonado de Famagusta na paradisíaca costa mediterrânea do Chipre, quando ele o encontrou faminto e assustado. Com muita paciência e amor, Minho o alimentou e deu-lhe água fresca, só que na hora de ir embora, o gato amarelo malhado convidou a si mesmo para entrar no veículo elétrico autônomo que o homem chamou para leva-lo.

Ele era pouco mais velho que um filhote, o Lee não poderia expulsá-lo e deixa-lo a própria sorte outra vez com aqueles seus olhinhos pidões!

Enquanto alguns traziam projetores holográficos portáteis com fotos da viagem, objetos decorativos, bibelôs e acessórios para se lembrar do passeio, Minho levou para casa um gato cipriota.

Nas férias seguintes, quando esteve na Turquia, na cidade de Kayakoy, que foi o lar de gregos otomanos até a queda do império em 1920, o Lee encontrou Doongie soterrado em ruínas, com a patinha esmagada e algumas costelas quebradas, segundo a varredura da Inteligência Artificial. É claro que o arqueólogo não ignoraria aquele tesouro perdido.

Ele foi consultado virtualmente por um veterinário, que o operou com urgência, mas não foi capaz de salvar sua pata. Felizmente, ele ganhou uma nova, imprimida em 4d, idêntica à original. Poucas semanas depois as costelas consolidaram totalmente, e o gatinho amarelo estava novinho em folha.

Doongie se instalou confortavelmente na cama de Soonie e recusou-se a voltar para as ruas. Até porque o lar de Minho era muito longe da Turquia de toda maneira e animais de estimação não podiam viajar sem pelo menos a companhia de um robô. O androide de Minho, Minjae, estava ocupado e não pôde escolta-lo de volta.

Celestial Lover | MinSung (em hiatus)Onde histórias criam vida. Descubra agora