Cap 2 - Velhos tempos

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— Falou que era necessário ter dedicação para manter o emprego. Já é quase hora do almoço, e só me deram um monte de documentação para ler — Expressou Yuna, já cansada de apenas ficar lendo regulamentos.

— Você acabou de entrar, precisa conhecer os procedimentos. Mas toda 13h de segunda, temos uma reunião com a diretoria para separar as tarefas, agendar prazos e passar o status dos que já foram passados.

— Tá fazendo o que agora, Seojoon? — disse Yuna, quase grudando em mim para ver a tela do meu computador.

— Yuna, por favor, desgruda! E se quer tanto saber, na reunião das 13h você será atualizada de tudo. Não perde tempo e lê as coisas que te passaram — Eu disse de forma fria. Ela podia ser bonita, mas seu passado não me descia na garganta. Não consigo olhar para ela e sentir algo além de desprezo. Talvez ela tenha melhorado como pessoa, mas não sou um humano tão bom assim.

— Qual é, Senhor Kim? Precisa de toda essa frieza? — disse Taeynang.

Eu nem sempre fui tão frio assim. Na verdade, eu era uma pessoa bem comunicativa na época do colégio, o aluno popular, a referência, que mesmo com as notas altas, ainda era querido e amigo de todos. Mas eu era cego. Bom, é aquela frase, às vezes a ignorância é uma virtude, ou muito ajuda quem não atrapalha. Quando você passa a ver as coisas, para de voar e vive mais dentro da realidade.

Era primavera de 2010, eu estava com meus 15 anos no primeiro ano do ensino médio, e uma garota nova havia entrado na escola.

— Classe, esta é Parkin Ji-Young. Ela se transferiu para a nossa escola e fará parte da nossa turma. Sejam gentis com ela — falou a professora da turma. Ela também era cega como eu, ou isso, ou sempre passou pano para as idiotices da turma…

Tenho que dizer que a garota nova não era o sinônimo de beleza, mas talvez ela só se escondia atrás dos óculos e do cabelo preso. Ela tinha uma pele bonita, mas óculos que diminuíam seus olhos de tanto grau que tinha. Era bem magra, quase sem curvas, mas era prestativa, fofa e alguém que você gostaria de ter por perto. Seu sorriso era a coisa mais linda nela, mas ele sumiu em poucos dias.

— Ji-Young, me fala mais sobre você! — Disse Jihoon.

— O que… o que você quer saber? — Ela disse tímida.

— Você tem irmãos? Seus pais trabalham com o que? O que você mais gosta de fazer?

— Ham… eu… eu tenho uma irmã mais velha, minha mãe é dona de uma lavanderia, e meu pai é militar, então não o vejo muito… e eu… eu acho que eu gosto de desenhar e ler…

— Ler o que, Ji-Young?, disse Yuna.

— Acho que qualquer coisa. Gosto de ficar informada…

— Que legal, pretende depois daqui trabalhar na TV? Você tem um belo sorriso, se daria bem como jornalista… Yuna falou mostrando seu carisma.

— Quem sabe…, Ji-Young parecia feliz. Foi bom vê-la assim, mas durou pouco.

— Ei, Ji-Young, lava isso! —  Um colega jogou a roupa suada de educação física na cabeça da jovem.

— A minha também, Ji-Young! — Vários dizem a mesma coisa e repetem o mesmo ato.

— Porque eu…

— Todo dia alguém faz isso, como você é nova, você faz isso, e outra, você já deve ter prática! Hahahah.

— Ok, mas por que jogaram em mim?, ela fala ainda querendo entender o porquê daquilo.

— É só engraçado, não achou? Hahahah.

Não tinha graça. Mas naquela época, eu não queria ver o que estava acontecendo ainda.

— Senhorita Parkin, posso saber por que chegou atrasada para a aula?

— Eu estava lavando os uniformes…

— E por qual razão? Sendo que cada um leva o seu para casa e lava o seu?!

— Foi um trote que a gente fez, professora. Só uma brincadeira, mas não achei que ela faria isso no horário da aula, disse Junseonk sentado de qualquer jeito na cadeira com tom de zombaria.

— Eu não disse para serem legais com a aluna nova?!

— Foi uma forma de integrá-la de forma mais tranquila à sala. Todos os novatos já passaram por algo assim, até eu, professora. Não queríamos deixá-la triste. Pedimos desculpa por isso…— Disse Yuna com um tom de arrependida.

— Entendo, tá tudo bem. Só não façam mais isso. Pode sentar lá no seu lugar, minha querida, disse a professora colocando a mão no ombro de Ji-Young como se fosse uma forma de conforto sem fazer nada.

Lembra do "espero que isso não aconteça novamente"? Bom… aconteceu.

Com o passar dos dias, as provocações ganhavam intensidade. Inicialmente, eram dirigidas às roupas; a desculpa era que ela era filha da dona de uma lavanderia. Contudo, à medida que o tempo passava, as investidas evoluíam para esbarrões. Alguns eram propositais, chegando ao ponto de fazê-la cair, seguidos por pedidos de desculpas que, ironicamente, não alteravam o comportamento hostil.

— Desculpa aí.

— Oh, mil perdões.

— Foi mal aí!

Ao longo de 1 ano e meio na mesma turma, ela deve ter ouvido todas as variações de desculpas. Eu apenas observava, sem tomar nenhuma atitude. No entanto, um acontecimento se tornou o ponto de ruptura para mim. Após a aula de educação física, Ji-Young desapareceu. Horas se passaram, e nada dela.

— Kim, você viu a Ji-Young? — Indagou a professora baixinho, enquanto eu estava em minha mesa.

— Não, professora, desde a aula de educação física...

— Pode verificar onde ela está? Estou começando a ficar preocupada — Assenti, deixando a sala.

Corri para a quadra, procurando pela presença dela. Vasculhei a sala onde guardávamos os equipamentos, mas nada. Quando estava prestes a sair, percebi um choro vindo do vestiário.

— Ji-Young, é você? Posso entrar?

O choro cessou abruptamente. Preocupado, hesitei, afinal, era o banheiro feminino.

— Ji-Young, por favor, me responda! A professora está preocupada! — Embora não tenha dito isso, minha apreensão aumentava. Ao abrir a porta para entrar, ela gritou.

— Não! Por favor, eu… eu… estou… estou sem… — Ela não conseguia formar uma frase completa, mas as palavras indicavam que não estava vestida.

Rapidamente, busquei minha toalha e uniforme de educação física no vestiário masculino. Ao abrir uma fresta na porta do vestiário feminino, deixei as roupas no chão.

— O cheiro não está bom, mas pelo menos você pode ir comigo até a diretoria para conseguir outro uniforme. Por favor, vista isso; caso contrário, ficará doente.

— Você… você...

— Pode falar... — Falei calmamente, percebendo o estresse dela.

— Volta para a sala. Por favor… E.. e… — Respirou fundo e desabafou — E não comente nada, com ninguém, COM NINGUÉM! Vou voltar para casa, eu me viro...

Talvez devesse tê-la ouvido mais, talvez isso tivesse evitado tantos problemas. Não imaginava que minha tentativa de ajudar só pioraria a situação. Às vezes, é verdade que "muito ajuda quem não atrapalha".

Se antes achava que ela estava mal, a partir daquele dia, ela vivenciou o inferno. Nunca subestime quem possui influência financeira, é o que digo.

Após minha denúncia anônima, os culpados foram advertidos pela diretoria, mas a acusaram de delatar eles, alegando que era apenas uma brincadeira. Uma brincadeira trancar todos os armários, retirar as toalhas do banheiro e remover suas roupas do banco. Apenas uma brincadeira...

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