Capítulo Oito

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A garota girava o tampão de ouvido nas mãos, enquanto observava, agoniada, a chuva que ainda caia.

Já passava das onze horas da noite e a tempestade não dava sinais de melhora. Os noticiários já anunciavam a recomendação de que todos ficassem abrigados em locais seguros, pois até pontos de alagamentos já haviam se formado.

E para a sorte de Yunah, um deles era no caminho de volta para a sua casa.

Não queria arriscar e acabar ficando presa no meio do caminho, então decidiu esperar. Contudo, já estava cansada após mais de uma hora aguardando próximo a saída do hospital.
No dia seguinte, precisaria acordar cedo. E como poderia descansar nessas condições? Mal sabia a hora que conseguiria chegar em casa.

Decidiu então se dirigir até a sala de administração, onde haviam algumas chaves de quartos disponíveis para que pudesse passar a noite ou aguardar até que a chuva fosse embora.
Enquanto caminhava até o local, passou pela sala de música e se lembrou do que havia acontecido mais cedo.


Yunah costumava prestar atenção nos detalhes, sua mania de perfeccionismo lhe obrigava a isso. E analisando esses detalhes, achou no mínimo curioso o comentário de seu paciente, antes de deixar a sala.
Como ele teria percebido seu medo de chuva em poucos minutos de conversa? E como uma pessoa capaz de cometer um crime de tamanha crueldade se compareceria a ponto de oferecer tampões de ouvidos para que pudesse ter uma noite de sono decente?

Era estranho pensar em Yoongi como esse tipo de pessoa; O tipo que se importa.

Sabia o que o tinha levado até ali, mas não conseguiu evitar comparar seu recente comportamento com a forma com a qual Dr. Eun-ji falava sobre ele. Talvez também a tratasse assim e, por isso, a mais velha o estimasse tanto.

Sua cabeça borbulhava de tal forma, que mal percebeu quando chegou até a administração.

À noite, o local costumava ficar vazio, então não se preocupou em tomar o tempo necessário para escolher o quarto mais afastado e silencioso disponível. Era só para passar uma noite, mas quanto mais longe dos passos dos seguranças que faziam a ronda, melhor seria a qualidade do seu descanso.
Por sorte, encontrou um exatamente como precisava e seguiu pelos corredores até o local onde se instalaria.

O hospital era bem diferente do que costumava ler em livros. Não era tão novo ou cheio de tecnologia, mas também não parecia cenário para filmes de terror.
A estrutura, já antiga, recebia reparos periodicamente para manter a conservação e as cores claras das paredes, pareciam refletir a luz, tornando o ambiente inofensivo para andar à noite.
Além disso, por funcionar vinte e quatro horas por dia, a presença dos guardas fazendo ronda, também tornavam o local tranquilo.

Chegando ao quarto, viu pela janela que a chuva ainda caía com força. Então, logo tratou de se organizar para se acomodar na cama e descansar.

Ao deitar sua cabeça no travesseiro, encarou por alguns segundos os tampões em sua mão.
Nunca imaginou que um acessório tão pequeno e aleatório a faria pensar tanto. E sabia que não era exatamente o objeto que a fazia pensar, mas preferia mentir para si mesma que sim.

Os colocou, cuidadosamente e, com os sons abafados à sua volta, se permitiu revisitar em pensamento a cena vivida mais cedo. Por alguma razão, o rosto do paciente apontando para a janela antes de sair, passava em um looping na sua cabeça. Não esperava por aquilo, então devia ser a surpresa do ato que estava a deixando intrigada e, por uns dez minutos, foi tudo o que conseguiu pensar enquanto encarava o teto do quarto.
Respirou fundo pela vigésima vez no dia, fechando os olhos e balançando a cabeça, tentando afastar as reflexões, e se deixou levar a um sono profundo alguns minutos mais tarde.


***

Na manhã seguinte, Yoongi se dirigia para o refeitório quando avistou sua nova médica pegando chá das garrafas que ficavam dispostas às mesas.

Pouco se passava das seis da manhã, então não entendeu muito bem o motivo de vê-la tão cedo no hospital.
"Como pode gostar de loucos desse jeito?", se perguntou, de braços cruzados, antes de andar naturalmente em sua direção.

- Você deve ganhar muito bem para se dispor a estar tão cedo em um hospício. - Yunah estava distraída, então se assustou quando seu último pensamento da noite, se materializou em sua frente. - Ou isso, ou vou começar a achar que está louca igual qualquer paciente daqui. Mal clareou o dia, doutora.

- Gostar do meu trabalho é loucura, Sr. Min? Você poderia me agradecer por estar disposta a ajudar logo cedo ao invés de me julgar.

- Ajuda bastante, realmente, a bela vista. - Fez sinal mínimo de referência, na brincadeira, fazendo Yunah virar o rosto para disfarçar um breve riso. - Mas ainda acho loucura. Não conseguiu dormir por causa da chuva?

- Porque acha que eu não dormiria por isso? - A médica questionou, realmente curiosa.

- Ora, doutora, ontem cheguei a pensar que precisaria virar seu terapeuta enquanto falava comigo. - Yoongi caçoou, pegando um copo descartável e depositando um pouco de chá para si. - Estava com o olhar na janela, como se houvesse um monstro lá fora e mal prestou atenção nos meus problemas, me senti desvalorizado. - Levou a mão ao peito, como se doesse.

- Você é sempre sarcástico assim?

- Sou várias outras coisas também... - Respondeu, com um sorriso de lado, cheio de malícia, após erguer rapidamente uma das sobrancelhas. Yunah, bufou, negando com a cabeça, em derrota.

- Porque não leva nada que eu falo a sério? - A mulher o viu mudar o semblante para um pensativo, como se realmente estivesse buscando uma resposta a sua pergunta. - Age assim com a Dr. Eun-ji também ou é um privilégio só meu? - Fez careta ao pronunciar "privilégio", para que ele entendesse a ironia.

- Não, é somente seu. - Tomou um gole do chá. - Doutora Eun-ji é minha sentença aqui, se passasse a me odiar, eu não teria escapatória. Já você, é temporária, já já vai embora, então não preciso me preocupar com isso.

Por algum motivo, segundos após falar, a afirmação que fez remexeu em seu peito de uma forma estranha.
A intenção era apenas implicar, mas parece que, naquele momento, se lembrou que logo a doutora partiria e, por mais que estranhasse a sensação, não sentiu alívio algum ao pensar nisso.

Ao mesmo tempo, também pareceu cair a ficha de Yunah.
Havia esquecido que não estaria ali pra sempre e, automaticamente, não teria todo tempo do mundo para tentar entender ou arrancar mais informações de seu paciente. Seus pacientes.

Um silêncio estranho se formou por um minuto e Yunah pigarreou, ajeitando sua postura e depositando o copo já vazio no lixo ao seu lado.

- Tem razão, logo não estarei aqui. - Yoongi, que a encarava, se sentindo um pouco constrangido desviou o olhar para o lixo, ao perceber o olhar da médica sobre si. - Então, acho melhor iniciar o meu trabalho o mais cedo possível para aproveitar o tempo que me resta. Tenha uma boa refeição, Sr. Min.

A mulher sorriu fechado, lhe dando as costas e saindo do refeitório, sendo acompanhado pela visão do paciente. "Você era menos idiota quando falava menos.", julgou a si próprio, amassando o copo descartável com uma força desnecessária, o jogando no lixo na sequência. Se sua manhã havia começado daquele jeito, mal esperava pra saber como seria o resto do seu dia.  

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