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Era noite de lua cheia, então é claro que eu deveria estar em casa pensando um pouco nas minhas ações e meditando sobre meus sentimentos. No entanto, me encontrava mais uma vez envolvida na roda de samba de toda sexta-feira que acontecia no centro do Recife.

Há mais de quarenta anos, pessoas de diferentes gerações e classe social frequentavam o Pagode do Didi. Se apaixonaram por ele e se apaixonaram nele. E não era a estrutura que atraía, até porque era apenas um casebre pintado de verde-claro, com o letreiro escrito em vermelho e algumas mesas de plástico distribuídas aleatoriamente no meio da rua. O que atraía verdadeiramente as pessoas era o litrão, conhecido como o mais barato da cidade. E claro, a lenda viva Maria do Pagodinho, a cantora mais famosa da roda.

Naquele dia, cheguei um pouco atrasada, mas incrivelmente meus amigos chegaram cedo para pegar uma mesa, bem debaixo do toldo laranja, que apesar do calor anormal de sempre, ficava o mais próximo possível dos músicos. Entre palmas e requebrados traduzidos de acordes animados, eu me perdia na emoção do momento, deixando que um gole da cerveja gelada curasse todas as preocupações do mundo real.

- Cadê aquele nosso amooor. Naquela noite de verãooo?

- Agora a chuva é temporal e todo o céu vai desabaaar.

- Éééééé... Até parece que o amor não deuuu.

Estava cantando Art Popular com meus amigos, com aquele sentimento aconchegante de estar em casa, e eu não queria nada além disso. Às vezes até queria; vez ou outra, a gente espera uma troca de olhares, conhecer uma pessoa interessante que está de passagem pela cidade ou simplesmente limpar a vista com um rosto bonito que esbarra em você inevitavelmente, pela quantidade de gente por metro quadrado. Despreocupada, mas um pouco arrependida de ter vindo de saia longa, rodopiei e senti o vento no meu rosto aliviar um pouco o mormaço. E, num vislumbre, encontrei um sorriso me admirando de longe. Sorri de volta.

- Sua rodada agora, Ayana! - gritou Igor, desviando meu olhar do sorriso contagiante.

- Tudo bem, já volto! - respondi, desviando dos corpos suados e dançantes em direção ao ambulante que ficava na lateral do bar.

Passei alguns minutos na fila, com quatro pessoas na minha frente, mas era tudo muito rápido, então logo peguei meus dois litrões, um em cada mão. No caminho de volta, me deparei com o homem que encarei há pouco tempo, parado próximo ao muro. Sua postura era confiante; a mão esquerda descansando descontraidamente no bolso da bermuda transmitia sua aura despreocupada. Seus traços faciais eram delicados, e um piercing nostril adornava seu nariz, enquanto seus olhos transmitiam determinação. Aquela determinação que eu esperava que estivesse voltada para me conquistar, afinal, nunca havia visto alguém tão atraente no pagode.

Um Juliet repousava no topo da sua cabeça, revelando tranças nagô meticulosamente feitas, com mechas médias. Eu não pretendia abordá-lo a menos que ele se apresentasse, mas fiz questão de passar próximo a ele ao voltar para meus amigos.

- Você precisa de ajuda? - ele indicou para minhas mãos.

- Eu consigo carregar, obrigada. Mas não seria de todo mal se você quisesse dividir um litro desse comigo.

- Na verdade, seria um prazer - ele sorriu para mim, com aqueles lábios cheios, e todo meu corpo esquentou por dentro. - Eu sou Luís.

- Ayana, mas pode me chamar de Ana.

Ele era um gato, simpático, e ainda por cima havia tomado atitude. É, a lua cheia me abençoou. Estendi uma garrafa para ele, por meio de uma troca de olhares intensa. Sua mão esbarrou na minha quando segurou-a, e eu não conseguia conter meu sorrisinho safado nos lábios.

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⏰ Última atualização: Mar 27 ⏰

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REFRAMED: ON TRACK AND BEYONDOnde histórias criam vida. Descubra agora