O silêncio

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A manhã parecia mais cinza para Kelvin. O chão que varria parecia mais sujo do que nos outros dias, sua mente estava tão distante que sequer prestava atenção nos mexericos que tomavam conta no salão do Naitandei durante o mutirão de limpeza.

Apesar de trocar informações sobre vidas alheias com as moças e com Nando, Zezinho observava Kelvin e pensou em questioná-lo mais uma vez sobre o que tinha acontecido, mas optou por respeitar o seu desejo de manter-se em silêncio. Entretanto, não demorou muito para que todos notassem o silêncio de Kelvin e o questionassem sobre o motivo, mas o rapaz recusou-se a responder, usando da desculpa de que estava apenas cansado. Apesar da justificativa - embora irreal - burburinhos sobre o comportamento incomum de Kelvin se espalharam pelo bar.

Com exceção de Luana - que mais tarde o perguntaria em particular sobre o que havia acontecido - todas as funcionárias e funcionários sussurravam especulações sobre Kelvin, levando em consideração que ninguém o havia visto daquele jeito antes. Zezinho explicou que o rapaz estava assim desde a noite anterior, porém não sabia o que o havia abalado tanto na casa dos La Selva para que o jovem mudasse o comportamento tão drasticamente. Já incomodada com os burburinhos e especulações sobre o amigo, Luana, como de costume, anunciou a todos que estava na hora de irem à aula de Krav Magá, e assim fizeram.

A aula iniciou como de costume. Por causa da ausência prolongada de Marcelo, Kelvin agora tinha outro parceiro de luta. Essa ausência, entretanto, durou somente até aquele dia: após quase um mês sem aparecer para as aulas, Marcelo chegou à academia de Odilon, e estava tão cabisbaixo quanto Kelvin. Apesar de cumprimentar a todos com sorrisos e responder às inúmeras perguntas com a justificativa de que precisou seu ausentar por falta de tempo, seu olhar carregava medo e tristeza. Porém, somente Kelvin reparou o suficiente no comportamento do rapaz para perceber que havia algo de errado.

Após uma hora, Odilon encerrou a aula de Krav Magá, e todos dirigiram-se aos vestiários. Ao observar Marcelo sair de um dos chuveiros e vestir uma camisa, Kelvin achou que seria correto desculpar-se por ter desmarcado o encontro que teriam após a última interação que ocorrera entre os rapazes, naquele mesmo vestiário. Também se perguntava o que havia de errado com Marcelo e o porquê da mudança brusca no semblante e comportamento. Mal sabia o loiro que o terror do outro era a mesma pessoa que o estava amedrontando, embora por motivos diferentes.

Marcelo? - Kelvin aproximou-se do outro.

Oi, Kelvin... - O rapaz pareceu desconcertado com a surpresa. Tinha visto Kelvin durante a aula, obviamente, porém não trocaram uma palavra, e pareceu não esperar que o loiro fosse abordá-lo no vestiário.

- Faz tempo que você não vem ao Krav Magá. Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

- Não aconteceu nada, não... - O mais alto abaixou a cabeça, provavelmente na tentativa de desviar o olhar para disfarçar a mentira.

- Tem certeza?

- Tenho, sim. Eu só estava sem tempo para vir. Agora, se me der licença, estou com um pouco de pressa.

O jovem caminhava até a porta do vestiário com sua mochila nas costas, mas foi impedido de chegar à saída por Kelvin, que segurou levemente uma de suas mãos.

- Espera, Marcelo! Já faz um tempo que estou querendo falar com você, mas eu não quis mandar mensagem. Estava esperando te encontrar aqui para falar pessoalmente, mas, como você não vinha há um tempo, ainda não falei.

- Poderia ter me mandando uma mensagem dizendo que queria conversar.

- Eu até poderia, sim. - Confirmou o loiro - Mas achei melhor esperar uma oportunidade, não seria justo te chamar, te tirar de casa para falar isso.

Ouro - KelmiroOnde histórias criam vida. Descubra agora