Um aniversário não tão festivo

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O nascer do sol iluminava as vastas plantações de soja da cidade de Nova Primavera. As máquinas agrícolas irrigavam o verde vívido, tornando-o ainda mais vigoroso. Usando sua camisa bege com os botões superiores abertos, como de praxe, o homem manuseava o irrigador. Com o passar das horas, ao incomodar-se ao máximo com a alta temperatura a céu aberto, tirou o boné que usava e, como de costume, prendeu-o na fivela do cinto, antes de recostar-se em seu carro para beber a água da garrafa que levava no interior do veículo. A água quente adentrou seus lábios e desceu por sua garganta como uma chama, entretanto, ainda foi útil para aliviar a péssima sensação de intenso calor. Ao avistar seu aparelho celular sob o banco do carona, lembrou-se da existência deste, e pegou-o para verificar possíveis mensagens ou chamadas perdidas. Receoso com a assustadora possibilidade de chamadas perdidas de seu intimidador patrão, Ramiro desbloqueou seu celular, torcendo para que seu medo não estivesse condizente com a realidade. Para seu alívio e felicidade, só havia recebido uma mensagem, e não era do poderoso patrão Antônio La Selva. O capataz alegrou-se ao ver que seu melhor amigo o havia procurado. "Bom dia, Rams! Passa aqui no bar mais tarde? Segundo a Luana, hoje o rum vai ser por conta da casa para os clientes mais antigos. É aniversário dela.", dizia a mensagem de áudio de Kelvin. "Oi, Kevinho. Vou passar, sim. Eu já ia mesmo.", foi a resposta de Ramiro, também por mensagem de voz.

O capataz não entendia exatamente o que sentia em relação a Kelvin. Não tirava da cabeça as palavras do garçom - e único amigo - em uma das primeiras vezes em que se encontraram, quando o rapaz disse que tinham uma conexão. Tentava fugir daqueles sentimentos, mas quanto mais os tentava afastar, mais fortes surgiam. Não tinha certeza se aqueles sentimentos o agradavam, ou não, só sabia que queria ver Kelvin todos os dias, sempre encontrando uma desculpa para ir até o bar onde o amigo trabalhava, quando não tinha um motivo explicável.

A noite caiu na mesma velocidade em que o dia começou, sendo mais um dia cansativo, como todos os outros, na vida de Ramiro. A hora de guiar seu carro até o bar da Cândida era seu momento mais eufórico, por saber quem estaria o aguardando. O capataz de La Selva estacionou sua picape em frente ao bar Naitandei, e em seguida o adentrou. Kelvin percebeu a chegada do amado, e imediatamente serviu-lhe um copo de rum.

- Como eu disse, por conta da casa. - o garçom sorriu ao entregar o copo a Ramiro.

- Brigado, Kevinho. - agradeceu Ramiro, retribuindo o sorriso, apesar de nitidamente tímido.

A herdeira legítima de Cândida, Luana, dirigiu-se aos amigos e cumprimentou Ramiro.

- Você com certeza já está sabendo que dia é hoje, né? - perguntou a dona do bar.

- Sei, o Kevinho... Quer dizer... Kelvin, me contou. - retrucou Ramiro, nervoso por causa do ato falho que acabara de cometer. - Parabéns, Luana.

A moça agradeceu a felicitação de aniversário, reforçou que o rum seria por conta da casa para os clientes mais antigos naquela noite, e enfatizou que o capataz poderia aproveitar. Ramiro sorriu e levantou o copo, como um gesto de agradecimento. Quando Luana virou as costas para ir cumprimentar outros clientes, os olhares de Kelvin e Ramiro se encontraram. Ambos sorriram, nitidamente tímidos por causa do sentimento que compartilhavam. Em segundos, Ramiro quebrou o momento, dirigindo a palavra a Kelvin.

- Kevinho, eu preciso falar c'ocê. - disse, após beber um gole do rum.

- Vamos lá para o meu quarto. - retrucou Kelvin, curioso.

Kelvin sabia que, na maioria das vezes em que Ramiro tinha algo para conversar em particular, se tratava de tramoias contra outras pessoas, afim de obter vantagens para ele próprio e para o amigo. Embora apreensivo, o garçom guiou Ramiro até seu quarto, fechando a porta assim que adentraram o ambiente.

Ouro - KelmiroOnde histórias criam vida. Descubra agora