Você é velho

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"Quantos anos você tem, afinal?"

Alastor está deitado na cama, balançando as pernas para o alto. O clima é estranhamente confortável, ainda que a face boba do governante o irrite - Lúcifer tem a mania idiota de encarar um ponto fixo enquanto devaneia.

Um ponto de curiosidade se aflorou quando a expressão aérea de Luci se tornou foco de Al. Quantos anos esse anjo tem? Muitos, conclui o radialista. Entretanto, pode perguntar diretamente ao próprio ao invés de ponderar sobre o assunto.

O loiro está desenhando algo em uma caderneta vermelha com, claro, patinhos estampados. Alastor admira a capacidade do menor encontrar tudo desses bichos. Sem virar para o pecador, responde:

"Mais do que você pode contar."

"Que resposta irritantemente vaga, Morningstar."

"Quer começar o jogo de perguntas?"

"Não era óbvio?" O demônio se senta, sorridente. O celestial finalmente rola seus olhos para a face do outro.

"Imagine: Eu existia antes da terra, antes da humanidade. Existia antes do saber e pensar, da imaginação e universo. Eu vi tudo ser criado e destruído, remontado e dizimado. Assisti o primeiro homem nascer e corrompi a primeira mulher. Observei povos desaparecerem, pessoas serem queimadas e línguas serem faladas e mortas." Deixa o caderno em seu colo, apenas para explicá-lo.

O cervo se desinteressa na hora pela pergunta. O discurso o faz revirar os olhos.

"Ou seja, você é velho."

Comenta, retornando para o tédio de sua mente. Ele possuía coisas mais importantes para pensar, como na futura visita à Rosie.

As orelhas do anjo enrusbecem de raiva.

"Blasfêmia! Me respeite, seu garçomzinho!" Joga o bloco na mesa de canto e se levanta para peitar o pecador. Alastor resiste a vontade de rir dessa pequena bomba.

"Estou mentindo?"

O demônio do rádio brinca com a cara do governante, ignorando a possibilidade de ele quebrar o acordo e matá-lo - Luci não vai fazer isso. Alastor tem noção de que esse loiro aprecia a companhia dele, ainda que por intermédio de xingamentos.

A feição de vergonha misturada à cólera assombra o rosto de Lúcifer. O mais alto faz questão de expor seu melhor sorriso.

O alado corre para o espelho a fim de checar suas rugas. O cervo gargalha.

"Pare de rir, pecador de merda!" Puxa a testa para ver se tem linhas de expressão. Al se pergunta o que esse baixinho faria caso jogasse uma neblina para o celestial ter a aparência mais velha do que realmente tem.

"Ficou ofendido?"

O silêncio é delicioso.

"Percebo que ficou." Diz com prepotência na voz.

Lúcifer avança no radialista, esmagando o pescoço. Com apenas uma força a mais, estrangularia o companheiro, destruindo, assim, o contrato de convivência. O soberano adoraria assisti-lo perder a paciência.

"Eu não sou velho."

Al dá de ombros. Morningstar o solta e alivia a respiração.

Quando sente seu ar normalizar, os olhos do overlord rolam para as folhas do caderno de desenho. A maioria voou no ataque do governante. Vários rabiscos de patos, de Charlie, Lilith. Curiosamente, os esboços que representariam Luci estão riscados. Alastor guarda isso em mente.

"Apesar da idade avançada, nutre uma paixão pelo desenho."

"Não há idade para a arte." Recolhe os papéis e os põe na caderneta.

"Concordo, vossa majestade. É um talento precioso." Massageia o próprio pescoço a fim de aliviar a dor.

Outro instante silencioso. Lúcifer evita encarar diretamente o demônio. A ponta das orelhas dele estão rubras, o que atrai a atenção do vermelho.

"Você realmente acha que pareço velho?" Questiona, tocando as bochechas.

É divertido mexer com esse anjo caído.

"Sim. Um ancião."

"Vai a merda."

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