Amanda apertou os olhos com as pontas dos dedos mais uma vez para expulsar as lágrimas formadas pela ardência e sentiu as pupilas inchadas dentro das pálpebras. A luz amarelada do sol, que acabara de nascer, refletida pela água do mar, incomodou os olhos vermelhos e fragilizados pela noite em claro, passada aos prantos.
Há quase dois meses o verão se despediu levando consigo a brisa morna e salgada, deixando o clima mais fresco com os ventos de outono que traziam consigo o cheiro da maresia e das algas degenerando.
O clima, relativamente agradável, tornava possível optar pelo moletom preto ao invés do confinamento, o que, nem de longe, era a pior parte de ficar em casa.
Amanda não via problema nenhum em ficar sozinha no quarto o dia todo, dormindo, pensando, lendo, chorando... O problema era a perturbação constante de sua mãe. De meia em meia hora entrando no quarto pra ver o que ela estava fazendo. Levando comida com a desculpa de vigiá-la e fazendo perguntas desagradáveis repetidamente. Tudo bem que estivesse constantemente preocupada. Mas, o que Amanda poderia fazer dentro de um quarto sem chave na porta?
Elas brigaram feio quando Amanda protestou pelo direito a ter a chave do próprio quarto, mas sua mãe foi relutante e não voltou atrás em sua decisão. Disse que precisava entrar no quarto dela sempre que sentisse necessidade e ponto final. Por isso Amanda prefere sair de casa, assim tem paz e liberdade para pensar em sua triste vida desprezível.
Bastava voltar antes de sua mãe acordar, que ficava tudo bem. Entrava silenciosamente em casa, sua mãe não via e não havia discussão. Ainda bem que ela tinha o hábito de acordar tarde. Pois vigiava Amanda até dormindo. Sempre passava em seu quarto, durante a madrugada, depois de fumar um cigarro na varanda do apartamento.
As gaivotas que voavam por ali, não tinham mais medo dos humanos. Algumas até se arriscavam a pegar comida das mãos daqueles que acham isso legal. Eles levantavam o alimento o mais alto que seus braços permitiam, e com um vôo rasante, as aves pegavam o alimento com o bico. As crianças eram as que mais se divertiam. E os pais ficavam atentos para conseguir filmar a alegria delas.
Amanda se dividia entre achar aquilo legal e não concordar com os alimentos que as pessoas davam para as aves, pois geralmente eram petiscos inadequados, inclusive para aquelas crianças. Quem dirá para os animais.
Sentada na areia grossa e amarela da praia, abraçada às pernas, ela observava o mar. Hora atenta, hora distraída... A água agitada, mudava de cor devido a movimentação das nuvens. Passando de cor de caldo de cana para um tom mais escuro devido à sombra. Nem um pouco convidativa para um banho antes das 6h da manhã.
Ela ajeitou o capuz protegendo os olhos para observar melhor os surfistas, tentando descobrir o que poderia ter de tão incrível na sensação de surfar, que os convencia a entrar naquela água gelada àquela hora, com aquele vento que ainda tinha a mesma temperatura da madrugada. Ficar sentados um tempão em uma prancha, esperando por uma mísera onda de no máximo uns 60 centímetros, para curtir uma adrenalina mediana, que durava mais ou menos uns 30 segundos.
Doideira!
Mesmo assim, queria muito que Nathália estivesse ali com ela para comentarem sobre os rapazes. Tinha certeza que seria divertido. Talvez até criaria coragem para tomar um banho de mar. Como não sabia nadar, tinha medo de entrar sozinha. Principalmente com todos aqueles surfistas. Caso acontecesse o pior, seria um vexame.
Por fim, deduziu que não podia reclamar, pelo menos agora, havia algo diferente para fazer. Algo que modificou sua rotina estressante e que trouxe um pouco de alegria para suas manhãs.
Sem dúvidas, é muito mais prazeroso ficar sentada ali assistindo as manobras medianas daqueles surfistas, do que em casa ouvindo as lamúrias de sua mãe. Ou no quarto, pensando nos problemas. Que não sabe dizer quantos eram, apenas que: a rejeição de seu pai, seguida de abandono, e a falsa/tentativa/fracassada de compreensão de sua mãe; sem dúvidas eram os piores.
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Hoje a noite não tem luar
FanfictionUm romance inspirado na música "Hoje a noite não tem luar" da banda Legião Urbana". Um amor singelo que nasce entre um surfista amigável e encantador, e uma garota, simples, linda e transgênero. Quando tudo parecia perfeito, uma descoberta inespera...