Primeiro Portal

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Lyoko chorava suavemente nos pés da cama. Tentava a custo engolir as lágrimas que a angústia da situação, e a bronca que levou, faziam nascer.

— Meu dente de leão... — chamou Leto, esticando a mão para o filho agarrar.

A criança obedeceu o comando mudo. Estava apenas na aurora da vida, tendo completado a sua primeira década há pouco tempo. De cada vez que Leto o via chorar, sentia ter um pedaço de si arrancado. Custava-lhe horrores saber que em breve não estaria ali para o amparar, ao ponto de estar a morrer mais depressa desse pensamento tenebroso do que do tumor no organismo.

— Desculpa, meu amor. Não queria discutir.... Só não voltes a tocar no tema, sim?

O menino assentiu, trazendo para os olhos escuros a franja de um magenta vivo.  

— Como eu não consigo, tens de ser tu a ajudar o Bast — disse, referindo-se ao parceiro. A sua mão afastou os fios da vista da criança, que terminava de fungar. — És um rapazinho forte, justo e bondoso. Eu sei que posso contar contigo.

 Leto trocou um olhar com Sebastian, de pé atrás deles, antes de fitar o filho.

— Não te esqueças das regras, Lyoko. Elas...

— Existem para me proteger. Eu sei, papá — suspirou o menino.

— Muito bem — sorriu, algo cansado. — Promete-me que não colocas o Bast em problemas. Promete-me que não sais daqui.

O rapazinho abraçou o corpo moribundo do pai em vez de responder. Não gostava de mentir.

— Vamos deixar o papá descansar, Lyoko —  disse Sebastian, recolhendo a criança do abraço de Leto. O rapazinho não ofereceu resistência, agarrando-se a ele como um coala.

 — Adeus, papá. Amo-te.

O moribundo recebeu o beijo que o filho, empoleirado no colo do seu parceiro, lhe depositou na testa. Depois, acenou em despedida ao ver os dois homens da sua vida sair do quarto.

Sebastian foi deitar o filho na cama com um beijo de boas-noites.

— Boa noite, pai. Amo-te.

O mais velho sorriu com ternura antes de sair da divisão, fechando a porta. 

Lyoko esperou uns minutos em silêncio. Ouviu a reunião dos pais e as vozes abafadas enquanto debatiam a incerteza do futuro, como se tinha tornado rotina nos últimos tempos. Depois, secando as lágrimas, encheu o peito de coragem e levantou-se.

O crepúsculo de Leto em breve se faria noite, arrastando-o para junto daqueles que partiram antes dele. Embora Lyoko não ficasse só quando um dos pais falecesse, faltava algo. Alguém. 

Ele não tinha sido abandonado, como Leto insinuava constantemente em conversa com Bast, achando que o pequeno não estaria por perto. Ainda tinha uma progenitora. Já não a via há 5 anos, mas o rapazinho sentia que ela estava sempre consigo. Aliás, sabia-o. 

Sabia-o, porque a ouvia. Ouvia os seus lamentos de se ter perdido entre mundos, longe da família, incapaz de regressar a casa. Ouvia os seus lamentos por não ter como entregar a Leto a cura que o salvaria. 

O rapazinho queria encontrá-la. Já era mais que tempo. Mesmo que ela o tivesse de facto descartado, sobrecarregada com o desgosto do ser que gerou no ventre, com certeza que gostaria de se despedir do homem que amou. 

Tinha comentado o assunto com o pai mais cedo. Este não gostou, aterrorizado com a ideia de Lyoko sair como a ex-mulher para não mais voltar. Proibiu-o. Quase o fez prometer não sair dali. Mas o rapazinho sabia estar certo, mesmo que nenhum dos dois adultos em casa lhe desse razão.

De fininho, vestiu a camisola favorita e calçou os sapatos mais confortáveis, trazidos da entrada para o quarto de antemão. Encheu a mochila com o essencial. Olhou em volta através do escuro lentamente iluminado, terminando a encarar os cabides pendurados atrás da porta de madeira. Estava assustado, mas tinha de fazê-lo. Era o único capaz.

Os progenitores agradecer-lhe-iam depois.

Com certa urgência, Lyoko voltou-se para a fonte de luz na divisão.

— Estou a caminho, mãe.

Apertou Ceta, a baleia de peluche que a mãe lhe tinha deixado antes de desaparecer, contra o peito. Inspirou. Sentiu a energia, como se lembrava de ouvir Talibah comentar, ainda em pequeno. Expirou. E atravessou o portal que o esperava, quebrando a primeira e mais importante regra da casa: nada de portais.

698 palavras

Lyoko ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora