O som do choro sussurrado e o peso das lágrimas arrastaram Lyoko para o sono. Era a terceira noite seguida.
Tinha dormido tranquilo na primeira noite. Fizera-o ao relento, sob um arco de raízes aéreas entrelaçadas, na floresta de árvores gigantes encimadas por epifitas que orlava os campos de cultivo. Como chegara àquele mundo ao anoitecer, a exploração ficou para o dia seguinte.
As plantações abarcavam tudo o que a sua vista alcançava. Comeu o lanche que trouxe na mochila antes de sair do seu abrigo natural com Ceta nos braços, sendo confrontado com quilómetros de terrenos de cultivo, plantados no sopé de uma escarpa que projetava habitações retangulares, interligadas por carreiros de formigas que ele não sabia alcançar.
Um único barracão irrompia da lavoura colorida, como uma ilha solitária. Foi aí que encontrou os primeiros habitantes. Eram crianças em volta da sua idade.
— Desculpem!
Os miúdos aproximaram-se, intrigados. Eram humanos, de aspeto familiar, mas não falavam nenhuma língua conhecida. Dirigiram-lhe palavras, frases, perguntas. Lyoko justificou que não os entendia, apesar de saber que eles não o compreendiam a ele. Aproximaram-se mais, seguros nos seus números e esticaram uma mão para o peluche. O pequeno apertou Ceta nos braços e virou-lhes costas com um grito incomodado. As outras crianças perceberam o significado e levantaram os braços em rendição.
Trocaram nomes, apontando para o próprio corpo e fazendo apresentações. Poderiam não falar a mesma língua, mas conhecerem-se era algo valioso. Depois, as crianças incitaram-no a segui-las com um gesto. Caminhavam para o povoamento na escarpa através dos carreiros entre canteiros.
A cidade, apesar de pequena, era cheia de vida. Ocasionalmente, quando se sentia seguro, Lyoko chamava pela mãe. Mas depressa percebeu que, se a mãe ali estivesse, certamente se destacaria: não encontrava um único adulto nas ruas. Havia inúmeras crianças ao seu redor e vários idosos que depressa o acolheram, mesmo com a barreira linguística. Mas de idades intermédias, não havia ninguém.
Um desses idosos que conheceu no primeiro dia, Hemo, deu-lhe guarida. Em lençóis lavados e num colchão macio, ainda um pouco confuso, Lyoko dormiu embalado pela incerteza e pela saudade para acordar determinado no dia seguinte. Aprenderia sobre aquele mundo e procuraria pela mãe. De qualquer forma, precisava de alguns dias para reestabelecer a energia para um próximo portal.
Não foi difícil descobrir que aquele povo agrário se levantava com a estranha alvorada.
Tinha reparado na noite anterior, pela pequena janela da sua habitação temporária, que ali não havia lua, mas três sóis. Um aparentemente estacionário, com o pouco brilho a alumbrar o breu do período de repouso e dois outros, de opostas órbitas díspares, que se lhe juntavam durante o dia para iluminar a terra. Pela altura do nascimento do primeiro astro móvel, aquele povo despertava. No surgimento do segundo, estavam todos entregues aos seus afazeres.
As crianças pequenas percorriam os campos, entre brincadeiras e deveres de proteção das colheitas contra uns curiosos insectos de grande dimensão e os ágeis mamíferos voadores. As que beiravam a adolescência ajudavam os idosos nos trabalhos mais técnicos ou pesados.
Pela manhã, Lyoko assistiu Hemo no preparo de ervas de chá que o próprio plantava. Ao cair da tarde, saiu com as crianças da porta do lado para explorar as ruas da cidade montanhosa, secretamente em busca da mãe. Não a encontrou, nem a nenhum outro adulto.
A sua terceira noite naquele mundo foi a primeira em que derramou sobre Ceta as gotas salgadas das suas preocupações. Não passava fome nem frio, mas tinha saudades de casa. Dormir sem um beijo de boas noites não era a mesma coisa.
Mas depois nasciam os astros diurnos e as suas preocupações eram varridas para um canto. Tinha de ser útil para ganhar a sua comida e o seu lugar debaixo do teto de Hemo. E não podia desistir da mãe. A única razão para ter aberto um portal até ali era por ter sentido a energia de Talibah a guiá-lo para lá. Se ela já não lá estivesse, pelo menos precisava de uma pista de onde poderia estar.
Completava quase uma semana quando uma idosa que nunca tinha visto apareceu em casa de Hemo. Pelas suas ações, vinha em busca de chá. Lyoko retirou-se sorrateiramente da divisão, dando as suas funções rotineiras por terminadas. Porém, da rua chegou a voz de um vizinho. Chamava o seu nome, para surpresa da velha senhora.
— Lyoko? — perguntou, incrédula.
— Lyoko — confirmou o menino, a mão no peito para não haver mal entendidos linguísticos. Não sabia qual o espanto.
A mulher esqueceu a transação e dirigiu-se à porta, pedindo-lhe que a seguisse com um gesto de mão. Quando o viu confuso, pensou um pouco e justificou.
— Talibah.
Ouvir o nome da sua mãe proferido de repente encheu-o de imprudência. Não foi preciso a velha senhora repetir o gesto ou o nome: de um pulo, apressou-se a segui-la até à sua habitação na parte baixa da cidade. Metade das crianças que o conheciam correram atrás deles.
Da gaveta de uma cómoda na entrada, a velha senhora tirou um embrulho quase em decomposição. Lá dentro, pó, uma minúscula garrafa com fios de cabelo magenta vivo e uma carta.
"Meu dente de leão,
Se estás a ler isto, eu fui uma mãe irresponsável e incompetente. Não sei onde estarei, mas o teu lugar não é aqui. Volta para casa. Não é minha intenção demorar."
Uma centelha de esperança iluminou o seu olhar. A mãe estivera ali. Não sabia exatamente há quanto tempo, mas estivera.
Fechou os olhos com força depois de reler a carta um par de vezes. Usou-a como ponto focal para a energia da mãe e procurou nas infinitas linhas que conectam o espaço e o tempo. A que agarrou quase pulsava.
Outro portal se abriu.
Ao perceber falatório atrás de si, olhou em volta. As crianças, empoleiradas na porta atrás da velha, fizeram-lhe chegar a sua mochila e Ceta. Não soube como nem porque é que se lembraram de lhe devolver os pertences. Simplesmente agradeceu aos amigos invulgares e à idosa que o ajudou. Despediram-se.
E depois partiu novamente.
996 palavras
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Lyoko ✔
Short Story🥇 VENCEDOR DA COPA DOS CONTOS (COPA DOS PORTAIS) Um pai moribundo. Uma mãe desaparecida. Um rapaz desesperado. Uma corrida contra o tempo. Nesta série de contos escrita para a 𝗖𝗼𝗽𝗮 𝗱𝗼𝘀 𝗖𝗼𝗻𝘁𝗼𝘀 𝟮𝟬𝟮𝟰, interligados pelos portais que o...