Primeiro Sucesso

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Água.

O mais sagrado dos elementos primordiais. O mais ambíguo, na sua contraditória capacidade de roubar vida quase tão depressa como a pode oferecer. Na sua essência, o mais versátil de todos. O que mais o intimida.

E aquele que o engoliu inteiro.

Para onde quer que olhasse, a massa de partículas fluídas revolvia-se no vazio, empurrada pelas correntes que fazem girar o mundo. Devia estar tão escuro ali que não seria capaz de ver nada daquilo. Devia fazer um frio desgraçado. Devia reinar um silêncio de morte. Devia sentir uma pressão tremenda, comprimindo a sua carne e esvaziando os seus pulmões. Contudo, nada do que ditava a lógica estava realmente a acontecer.

Focos de luminescência traziam claridade a ambos os lados do que parecia uma redoma translúcida, quase como uma bolha de sabão perfeita. Do lado de lá, organismos arrastados pelas águas ou incrustados na rocha que envolvia a redoma pintavam as estruturas de uma cidade submarina invertida de azuis, laranjas e rosas. Do lado de dentro, um estranho reflexo daquilo que via acima da sua cabeça, mas com os espaços vazios preenchidos por ar, permitindo-lhe a dádiva da respiração.

Aproximou-se da orla, as mãos recolhidas contra o corpo para evitar que um toque inadvertido desfizesse o fenómeno que o mantinha vivo. Parecia que estava a ver através de um vidro de aquário. 

Por entre os edifícios no teto rochoso, Lyoko via criaturas nas janelas, nas esquinas ou circulando com tranquilidade. A metade anterior das silhuetas era claramente equina, com largas barbatanas espinhosas nas crinas, orelhas e patas dianteiras, estas últimas semelhantes a cascos. Porém, a metade posterior do corpo acabava em caudas musculosas, os padrões condizentes com o restante do corpo, sobretudo em tons neutros ou avermelhados. 

Gorgónias e outros seres subaquáticos traziam textura e cor às superfícies. Peixes de diferentes formas e tamanhos nadavam em todas as direções. Ao fundo, um borbulhar contínuo denunciava um conjunto de bocas vulcânicas, os gases e a radiação que libertavam responsáveis pelo aquecimento das águas.

Lyoko apertou a baleia de peluche que trazia nos braços desde que atravessou o primeiro portal. Ali, a água era o elemento soberano. Ceta poderia sobreviver naquela imensidão, se não fosse de peluche. Já o menino, só a redoma o salvava.

Engoliu o nó da garganta, determinado a reforçar a máscara de optimismo. Ainda agora chegara, não podia tirar conclusões precipitadas. Não podia deixar que a mente dispersasse e desse lugar aos pensamentos sombrios que o perseguiam. 

Tinha de continuar focado. O pai e a mãe dependiam dele.

Deu meia volta. O interior da redoma parecia uma pequena cidade de superfície, com prédios baixos enfileirados num arruamento pitoresco e colorido. Plantas e flores espreitavam por entre estatuetas e construções várias. Espaçadamente, postes carregados de seres bioluminescentes alumbravam o espaço. 

Vagueando desnorteado, acabou por entrar num jardim luxuriante muito próximo, a sua atenção infantil atraída pela flora caricata que o rodeava. Serpenteou pelas veredas de pedra do espaço, dando por si a tropeçar num grupo de três figuras que se riam a bandeiras despregadas sentadas no pavimento vivo.

A criatura mais pequena foi a primeira a notar a sua presença. O seu corpo agachado ergueu-se com altivez, o semblante subitamente fechado. Tinha uma silhueta humana, mas certamente não o era. As vestes curtas pouco deixavam da sua pele de bronze à imaginação, o cabelo de pérola caía sobre o peito raso em duas exuberantes e majestosas tranças e a sua estatura não era muito superior à de Lyoko. Contudo, os olhos de um ciano cristalino, agora estreitados em desconfiança para com a possível agenda do menino, eram o que sugava o observador. 

Lyoko ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora