Primeira Ajuda

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Chovia lá fora, tal como no dia em que chegou àquele mundo. 

— E então? — perguntou o pequeno, quebrando o suspense hesitante.

Sentada à sua frente, a mulher olhou brevemente o vidro com o rugir da tempestade.  A água fustigava a janela ao lado das suas cabeças, as nuvens escuras a enegrecer a cidade sombria. Quando conheceu Lyoko, ele estava encolhido na porta daquele mesmo edifício, tentando usar a saliência da varanda para fugir a uma chuvada semelhante. 

— Não foi fácil. Já ninguém se lembrava dela. Se não fosse a filha do estalajadeiro, as minhas buscas teriam sido em vão. — Olhou-o. — A tua mãe esteve aqui há uns anos, mas não ficou mais de cinco meses. Pagava o seu alojamento com trabalho e tão depressa quanto veio, desapareceu sem dizer para onde ia.

Lyoko olhou brevemente para Ceta, que jazia entre si e a mochila no banco corrido.

— Ela deixou alguma carta ou objeto para trás?

A mulher abanou a cabeça.

— Lamento. Se deixou algo, perdeu-se com o tempo. — Ela aproximou-se da mesa, os antebraços sobre o tampo. — Disseram que procurava alguma coisa. Talvez tenha ido para Shizar, no sul. Todos os que procuram algo o fazem.

Caiu um silêncio contemplativo entre eles, cortado apenas por intervenção externa: 

— Meliora, chegou um mensageiro de um tal Adso!

— Já vou! — respondeu sobre o ombro. Encarando Lyoko, as mãos minúsculas do menino nas suas enluvadas, desejou: — Desculpa. Boa sorte. 

Ele agradeceu, o implante que tinha no pescoço a crepitar palavras que a gigante conseguisse entender antes dela desaparecer pelas escadas que conduziam ao rés-do-chão. Lyoko não a podia culpar por não conseguir nada de concreto dado que ele não tinha como lhe pagar pelos seus serviços. Já tinha sido mais que generoso Meliora ter encontrado um lugar seguro para ele passar as últimas semanas enquanto procurava por informações sobre Talibah.

Nova Tirrent não foi o destino ao qual a carta da mãe o trouxe. Antes daquela cidade de néons, onde a tarefeira que o encontrou aceitou ajudá-lo por caridade, os portais levaram-no para um mundo altamente tecnológico, mas tranquilo na sua azáfama rotineira.

Estava às portas de uma clínica quando emergiu. Entrou para pedir informações. Como ninguém o compreendia, acabaram a colocar-lhe o implante na base do pescoço, como um fino choker metálico, ligado a um minúsculo auricular escondido no interior do ouvido. Era um tradutor com IA integrada. Em poucas horas, o aparelho estava adaptado a ambos os idiomas, permitindo-lhe comunicar com Becca, a recepcionista. Foi ela a dar-lhe guarida, assim como a tinha dado a Talibah 6 anos antes. Foi ela a contar-lhe a jornada da mãe na clínica ao longo de um par de anos, determinada a aprender técnicas de cura milagrosas para a enfermidade de um parente que nunca se revelou.

E foi ela a entregar-lhe o fio de prata que Talibah deixou para trás. Pelas fotografias de família, o menino sabia ser o colar do pai. Colar esse que o levou a Nova Tirrent.

Lyoko suspirou. Se a mãe já não estava ali, onde a sua energia era mais intensa, só lhe restava partir. E não havendo nenhum novo objeto, teria de reutilizar.

Recolheu a um canto e criou o novo portal depois de sentir pela segunda vez a energia do fio de prata que levava atado no pulso. Quando chegou ao outro lado, teve de se agachar. Estava numa clareira apertada no meio dos arbustos. Porém, a estranheza do local só foi superada pela familiaridade do esconderijo e do cenário que uma pequena brecha na vegetação deixava antever. 

Ele reconheceu aquela habitação de pedra, as clematis azuis escuras a trepar a fachada, o carreiro que serpenteava o jardim em direção à mesa de refeições. Lyoko estava em casa.

Lyoko ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora